segunda-feira, 27 de junho de 2016

Resiliência é um atributo da mulher!


Por Kelly Vieira Meira*

No dia 22 de Junho de 2016 o COMDIM – Conselho Municipal dos Direitos da Mulher recebeu intimação final. De forma arbitrária, como geralmente se dá o exercício do poder da máquina pública, foi estuprado pela caneta de uma secretaria que sequer ensaiou um diálogo, se quer um movimento para compreender os fundamentos da nossa resistência simbólica, e legitimou seu nano gozo ao permitir que os desejos do coletivo fossem violados. Fomos estupradas pelo abuso do poder, com a mesma arrogância direcionada às mulheres quando os seus pseudos-proprietários lhes impõem a prática não consensual do sexo, consumado com níveis diversificados de violência. No dia 31 de março do corrente, nós, mulheres de dezesseis estruturas distintas do fazer político, incluindo tanto a área governamental quanto a do controle social, decidimos por consenso que não iríamos transferir nossos trabalhos para a Casa dos Conselhos a que fomos designadas. Tal decisão não foi por mera falta de simpatia pelo local, afinal o espaço que vínhamos ocupando em muitos aspectos se mostrava inadequado, no entanto, a acessibilidade sempre foi fator determinante para a defesa de permanecermos onde sempre estivemos.

Dissemos num primeiro comunicado de despejo que dali – Secretaria de Assistência Social - não sairíamos, numa posição claramente resistente frente a uma situação inaceitável: ocupar um espaço cuja arquitetura negligenciou possibilidades com relação à acessibilidade. Da noite para o dia a supremacia dos interesses políticos baixa resolução determinando o deslocamento de todos os Conselhos um espaço vago da cidade – Casa dos Conselhos – destinado em outra gestão para a expansão dos trabalhos da Secretaria de Assistência Social. Como não houve a expansão para os fins inicialmente previstos, foi determinada a ocupação do imóvel por todos os Conselhos vigentes. Para que isto acontecesse as providências se resumiram à pintura e ao alargamento da porta de entrada. Nenhuma adequação de forma a acolher as pessoas com necessidades foi fornecida. Embora possa parecer que sejam poucas as modificações para compatibilizar o espaço com a acessibilidade, elas se agigantam na medida em que impedem o trânsito das pessoas portadoras de necessidades especiais. Para citarmos alguns exemplos que evidenciam o quanto o local é inadequado, apontamos: (i) a dificuldade para subirmos as escadas mal planejadas; (ii) a vulnerabilidade com relação à integridade física dos transeuntes considerando a quantidade de usuários de drogas que se utilizam das imediações do prédio; (iii) o número expressivo de moradores de rua que vivem na proximidade sem serem abordados pela assistência social; e (iv) o serviço precário do transporte urbano disponibilizado no endereço. A acessibilidade, portanto, repercute negativamente não só nas instalações físicas, mas abrange as redondezas do prédio.

O Conselho da Pessoa com Deficiência foi um dos primeiros a se manifestarem contrários à decisão, mas de nada adiantou opor-se ao poder, pois quando perceberam seus documentos e móveis já haviam sido retirados e alocados no novo espaço. Pessoas com mobilidade reduzida, cegos, surdos, cadeirantes... não tiveram sequer o direito a defenderem sua contraposição. Logo depois os demais conselhos foram sendo retirados, uns acuados pelo poder, outros coniventes com ele... Mas o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher resistiu! Não por acaso coube às mulheres questionar o porquê da decisão arbitrária sem termos tido o direito de discutir em profundidade todas as estratégias para a efetivação do deslocamento. Mas ao tempo em que é reconhecida a projeção das mulheres na atuação política, é de se lamentar que tenha partido de uma mulher o abuso de poder ao autorizar a entrada, sem permissão, na sala deste Conselho (analogia ao estupro), e a retirar de lá todos os nossos materiais e equipamentos de trabalho.

Com imenso pesar por termos vivenciado o despotismo de um agente público motivado exclusivamente por interesses políticos, é que requeremos providências que atendam ao teor do laudo apresentado pelo Conselho da Pessoa com Deficiência, complementado pelas indicações manifestadas por este Conselho da Mulher. Não é necessário relembrar, mas é preciso afirmar, que nosso posicionamento sempre foi pautado levando em consideração a existência de uma política horizontalizada capaz de valorizar as recomendações dos Conselhos que foram instituídos de forma colegiada para pensar a cidade em benefício de seus munícipes.

Nós do COMDIM queremos somar, mas para isto é necessário que haja disponibilidade do setor público para escutar. A transitoriedade com que são substituídos os interesses políticos, exige que nosso papel social seja norteado para além das implicações circunstanciais partidárias. Fomos estupradas e pedimos que, ao menos, depois da ação, a estrutura governamental possa atender as nossas demandas considerando a razoabilidade com que foram levantadas. Viveremos com a lembrança, mas resiliência é um atributo da mulher!

*Idealizadora do Portal de Notícias Catarinas e ativista social. Representa a Casa da Mulher Catarina no Conselho Municipal de Direitos da Mulher de Florianópolis (Comdim), órgão que preside desde 2014.

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