Por Magali Moser
Fotografia: Rafaela Martins
Há uma outra Blumenau além da marcada pelas raízes alemãs, de gente galega, pele e olhos claros. A frase que serviu para abrir a série de reportagens Negra Blumenau, publicada em 2007, no Jornal de Santa Catarina, permanece com sentido inalterado. Especialmente depois das tentativas de reforçar a identidade de algo que não se pode ser hegemônico, com campanhas como Blumenau: Alemanha Sem Passaporte e o Brasil de Alma alemã. Localizada numa das regiões consideradas mais desenvolvidas do Estado - o Vale do Itajaí, a cidade se tornou símbolo de “um Brasil que deu certo”, associado frequentemente às tradições, cultura e traços europeus. É como se fosse um fragmento da Alemanha no Brasil, a exemplo da maneira como aparece citada em diferentes narrativas por diversos agentes na literatura, publicidade, discurso oficial e na imprensa.
“É um outro país dentro do Brasil”, dizem os turistas entusiasmados. “Trata-se da Europa brasileira”, sustenta o discurso turístico. “Bem-vindos ao Vale Europeu”, saúdam as placas indicativas às margens das rodovias. A pujança econômica, assim como a força produtiva e a capacidade empreendedora da cidade também aparecem em reforço a este discurso. A exaltação da germanidade em Blumenau ganha força e visibilidade. E apaga e silencia os outros traços que ajudam a formar a sua diversidade.
Negra Blumenau nasceu de uma inquietação diante da maneira como Blumenau aparece representada na imprensa. A série de reportagens foi publicada de 20 a 24 de novembro por ocasião da passagem do Dia da Consciência Negra. No trabalho, mostramos (eu e a fotógrafa Rafaela Martins) que antes mesmo da chegada dos 17 imigrantes alemães à Foz do Ribeirão da Velha, escravos africanos ocupavam a então colônia e foram responsáveis pela construção dos primeiros pilares que deram origem à estrutura. A versão oficial sobre a questão nos livros didáticos costuma esconder o espinhoso tema da escravidão no Vale do Itajaí. Os historiadores Marlon Salomon e André Voigt apresentam uma estatística de que em torno de 800 escravos viveram no Vale do Itajaí às vésperas da abolição. A afirmação é baseada em documento produzido pela Junta de Classificação de Escravos de Itajaí. Oficialmente Dr Blumenau era contra o comércio de escravos na colônia, no entanto, em carta ele confessa a contratação de três escravos incumbidos de iniciar os trabalhos na colônia.
Em 2007, quando sugerimos um olhar sobre a condição do negro em Blumenau, uma reação especialmente nos surpreendeu. Na redação, ouvimos o questionamento de um colega jornalista: “Mas há negros em Blumenau?”. Não se tratava de uma brincadeira de mau gosto. Ele realmente falava sério e deixava transparecer a necessidade urgente de tratar o tema. Se houve resistências, as manifestações de apoio e incentivo também vieram. De todas as partes. Até da Alemanha, de onde nos escreveu uma leitora emocionada com o que viu. A série foi agraciada com a Comenda Zumbi dos Palmares, pela Câmara de Vereadores de Blumenau.
Quando foi publicada, os negros somavam 17 mil em Blumenau. Sabemos que hoje o número é superior.
O convite para integrar com a série as atividades do mês da Consciência Negra nos honra, mas também nos entristece. Sim. Saber que em oito anos não houve nenhuma outra iniciativa que contemplasse com profundidade os negros na imprensa local é motivo de tristeza e preocupação. Acreditamos que a imprensa tem um papel fundamental não só na promoção da igualdade racial mas também no combate ao racismo no Brasil.
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