Por *Sabrina Vieira para Catarinas.
O dramático consumo de produtos
estéticos, as tendências voláteis da moda, manchetes em todas as revistas
femininas vendendo fórmulas mágicas para estar perfeita no biquíni e conquistar
a sonhada barriga negativa, musas fitness, e a catequese midiática diária em
programas de televisão, nos vendem felicidade nas entrelinhas do mercado que
padroniza a beleza.
Contra tudo isso, uma mulher. Armada
apenas com sua arte cheia de senso e análise crítica, Evelyn Queiroz há muito se
sentia incomodada com o mercantilismo da aparência e as imprecações desse novo
capital. Para questionar de forma leve e até divertida o drama humano da
aceitação mediante os padrões construídos pela mídia capitalista (sim, a beleza
é um produto cada vez mais bem cotado no mercado), a artista gestou por dois
anos, em seu estúdio, a personagem Negahamburguer. Ao ser parida na sociedade
hedonista, e repressora deste hedonismo, Negahamburger tornou-se a porta-voz da
liberdade de ser. Negahamburger, assim como Evelyn, nos transportam para uma estranha
zona de conforto diante do espelho.
Artista e modelo/foto TV Brasil |
Este desrespeito crescente ao que é
inato, à identidade dos corpos, tem como única vantagem real o enriquecimento
do próspero mercado da beleza/consumo. Sobre isso, ainda para a revista TPM,
Evelyn comenta: "todo o julgamento sobre o corpo feminino é falta de
amor e respeito com o próximo, então é isso que eu mais quero
comunicar."
É uma lógica de fácil acesso, ao
analisarmos a realidade dos padrões de beleza: a quem interessa a mulher
aceitar a si mesma? Somente a ela. Mas havendo um padrão dificilmente
alcançável, toda a gama de produtos e serviços voltados para o combate à
intolerável feiura desde academias, clínicas de intervenção cirúrgica estética,
cosméticos que equivalem ao preço da cesta básica de uma família, cápsulas,
chás e infinitos produtos mais, que surgem a cada dia nos impondo a aparência
que devemos ter, e pior, nos condenando ao julgamento empírico dos demais nos
causa mais sofrimento que felicidade. Sofre-se muito mais buscando o padrão que
aceitando a sua identidade física, mas quem nos estimula a tentar?
Bombardeados pela informação parcial
das mídias, pelas opiniões formadas por elas e, sobretudo, pela necessidade de
aprovação e pertencimento, os adolescentes são as mais constantes vítimas dessa
realidade, tão verdadeira quanto superficial. Não raro brotam desafios de
superação física na internet, meninas que escondem a cintura atrás de uma folha
de papel, que equilibram moedas na clavícula, que tentam a volta no tronco com
o próprio braço. São inúmeras. Todas produto da insegurança. Todas servindo de
pote de ouro no final do arco-íris. A grafitaria de Evelyn Queiroz busca,
através de Negahamburguer e outras personagens despadronizadas, um retorno ao
real, a autoconsciência e ao respeito às diferenças.
Nas ruas de São Paulo, as gordinhas
da artista estampam destapadas muros e paredes, numa tentativa carinhosa de
expurgar o preconceito das ruas, de dar representatividade às mulheres
"normais", numa luta diária pelo espaço competido com outdoors que
propagam uma beleza falaciosa retocada à exaustão no photoshop.
Este trabalho incrível, pertinente e
transformador dos ambientes urbanos está agora também em livro, onde
depoimentos de mulheres discriminadas podem ser associados aos trabalhos da
ilustradora, que pretende uma genuína interpretação e exposição das
mulheres, enquanto seres humanos, com suas imperfeições preferíveis à beleza
robotizada, estilo linha de produção, que toma conta da sociedade capitalista.
A parceria de Evelyn, Negahamburger e
mulheres reais pode também ser conferida em sua página do Facebook (um dos
maiores propagadores do artificialismo estético atual) que leva o nome da personagem.
Iniciativas assim são um sopro de esperança em meio ao narcisismo
existencial no qual afundamos dia a dia. Esperemos, sinceramente, que a vida
imite a arte na mesma proporção que a arte reflete a vida nos trabalhos de
Evelyn Queiroz.
*Sabrina Vieira é arte-educadora.
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