terça-feira, 21 de junho de 2016

Editorial: Ordem e progresso para quem?



Editorial Catarinas.


A ordem ou o caos? “A desordem”, respondeu a pesquisadora em bioética, Débora Diniz, em entrevista a Antônio Abujamra, no programa Provocações da TV Cultura, em fevereiro de 2014. Ao contrário da feminista, Michel Temer tratou de deixar claro a que veio. Veio para manter a ordem, com o seu slogan "Ordem e Progresso", cunhado no século 19. Que ordem, perguntamos nós, mulheres, feministas e todxs aquelxs contrárixs ​às opressões? E progresso para quem?

​A resposta está na nomeação ​​de Fátima Pelaes para a Secretaria de Política para as Mulheres, conduzida ao posto pela bancada da bíblia que ajudou o presidente provisório a emplacar o golpe. ​Além de investigada por articulação criminosa, a religiosa por convicção e afirmação pública representa o que há de mais ultrapassado no Brasil. 

Ela é uma mulher sim, uma mulher contra as mulheres, do jeito que os conservadores gostam. Fátima tratou de impactar logo, antes mesmo de ascender ao cargo. Converteu-se, encontrou Jesus e não poderia aceitar a legalidade do aborto nem mesmo em casos de estupro.

E o que a igreja ou Jesus tem a ver com isso, com a mulher estuprada e sua gravidez não querida, em um Estado Laico? Logicamente, nada. Alimentar essa relação promíscua entre Estado e religião nos joga para um passado distante, ​q​​uando​ mulheres eram perseguidas e queimadas vivas. É para lá que o progresso de Temer parece conduzir. 

Fátima provocou polêmica, tanto que quase caiu antes de subir. Chegou a se desculpar dizendo que aquela era uma orientação pessoal e não dizia respeito às suas decisões políticas.

Vejamos. O que ela quis dizer afinal? Se fosse estuprada, manteria a gravidez. Faz sentido. É um direito seu, já que o aborto é (ou deveria ser) uma questão ética de foro íntimo, assim como a religião, e a decisão diz respeito somente a uma pessoa, aquela que está grávida. Ao Estado cabe garantir o direito à dignidade humana, à proteção à saúde e à vida, à autodeterminação, como prevê a Constituição Federal.

Progresso ou retrocesso? Uma em cada cinco mulheres já abortaram no Brasil. Cerca de um milhão ao ano recorrem à clandestinidade, em situações de extrema solidão e sofrimento. Mas a religiosa, secretária de políticas para as mulheres, preocupa-se com os abortos legais, aqueles que já estão assegurados às vítimas de estupro, trazendo a sombra de Eduardo Cunha e seu projeto de lei 5069 de 2013 que busca dificultar o acesso das vítimas com a exigência de exame de corpo de delito e cerceamento à pílula do dia seguinte e ao aborto legal.

Fátima Pelaes nesta pasta não é somente uma afronta, trata-se de uma demonstração de força contra o que de melhor se construiu nos últimos anos em termos de política pública. Sua indicação é parte da perspectiva positivista de um governo branco, heteronormativo e voltado aos empresários, sejam eles de franquias de igrejas, cujo progresso tem como horizonte o século 19, no qual as mulheres, não detentoras de direitos, ficavam restritas à esfera privada.

A criminalização do aborto segue a mesma lógica da cultura estupro, em que o Estado viola os direitos das mulheres, negando lhe a autonomia de decidir sobre o próprio corpo. É para manter a “ordem” vigente que Temer incorporou o slogan da bandeira. Trata-se de uma ordem estruturada sob a lógica conservadora e patriarcal que o feminismo busca justamente repensar e desconstruir, partindo do pressuposto de que é revolucionário, quer mudanças e transformações sociais. Seguimos Débora na opção pela desordem!




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