quinta-feira, 28 de abril de 2016

Epidemia de zika vírus reacende debate sobre a violação dos direitos humanos das mulheres no Brasil

Jurema Werneck

Ativistas, jornalistas, médicas, sanitaristas e profissionais de diversos setores sociais participaram do 9º Seminário Mulher e Mídia, em São Paulo, nos dias 22 e 23 de abril, para buscar respostas à desinformação que envolve o tema “zika vírus” na sociedade, com o desafio de trazer a mulher para o centro do debate, denunciando a violação de seus direitos mais essenciais nessa epidemia. Com o tema “Mídia, zika e os direitos das mulheres”, o encontro, realizado pela Agência Patrícia Galvão, em São Paulo, também buscou apontar estratégias de comunicação para denunciar o racismo, sexismo e classismo atrelados à epidemia e suas consequências sobre corpos e mentes das mulheres mais vulneráveis socialmente. Em tempos de discussão sobre a democracia brasileira, especialistas relacionaram a falta de autonomia das mulheres à existência de um estado autoritário. Abaixo um apanhado das falas de algumas participantes do debate.

“A partir desse seminário vamos ter uma possibilidade de montar uma estratégia mais completa para fazer frente à epidemia do zika vírus no Brasil”, afirmou Nilcéia Freire, representante da Fundação Ford no Brasil.

Marisa Sanematsu, diretora de conteúdo da Agência Patrícia Galvão, falou sobre a situação de insegurança vivida pelas mulheres, desde que os primeiros casos foram descobertos no Nordeste. “Quem são essas mulheres no olho do furacão? A imprensa não diz o segmento do qual fazem parte, que são negras e pobres. Para a mídia, é como se a mulher fosse mais um vetor. Culpam-na por não se cuidar ou engravidar. Quando falam em políticas publicas, o foco é o bebê”, afirma.

A sanitarista Tânia do Lago, professora de medicina social da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, explica que toda infecção viral tende a afetar mais as mulheres e que em quase todos os países desenvolvidos, cabe à mulher decidir se mantém ou não a gravidez, especialmente quando a doença atinge o feto. Para ela, a epidemia aumenta o fosso entre mulheres ricas e pobres que não podem contar com uma assistência ágil no SUS e tampouco com o teste. “A mídia fica refém do que está disponível, não há um papel militante do jornalista em busca da verdade dos fatos. Nenhum infeliz de um jornalista é capaz de perguntar ‘e o teste?"

Fernanda Lopes, representante no Fundo de População das Nações Unidas no Brasil, diz que há relatos da existência do zika desde 2014, mas somente em fevereiro de 2016 foi decretado estado emergência. “Pediram para as mulheres da América Latina não engravidarem num desrespeito ao direito reprodutivo que é inalienável. Para não engravidar é preciso ter garantias.”

Para Juliana Neves, jornalista na Empresa Brasil de Comunicação (EBC), a mulher deve estar no centro do processo, não somente como vítima, mas protagonista. “Os espaços participativos estão sob sério risco nesse momento de crise política, o que reforça a importância das mulheres como protagonistas no controle social.”

Racismo e sexismo estruturantes
Jéssica Hipólito
“Quando falam da mulher negra, nos tratam como um recorte. Nós não somos um recorte, somos a maioria da população brasileira”, afirma Jéssica Hipólito, do Blog Gorda e Sapatão.


Isabel Clavelin, professora da Universidade Católica de Brasília (UCB) e assessora de comunicação da ONU Mulheres, lembra que o combate à discriminação é uma das garantias do código de ética do jornalista. Enfatiza que a não inclusão do racismo e sexismo no debate colabora para uma sociedade sem história. “Vemos narrativas que são estruturadas dentro de um discurso político-ideológico de modo a impedir as falas de mulheres no debate público. Essas mulheres têm que ser ouvidas e os profissionais precisam contar. Sem narrativa, não há mobilização.”

Mesmo com 30 anos de epidemias de dengue no Brasil, a desassistência aos direitos humanos mantém-se, agora, também com a zika e chikungunya, como analisa Jurema Werneck, médica e coordenadora da ONG Criola.  Jurema acusa o Ministério da Saúde de racismo institucional por não incluir a raça na ficha de notificação dos casos e lembra que a grande maioria das mães atingidas é miserável. Segundo ela, além de não questionar esse tipo de sonegação, a mídia replica uma narrativa que silencia as mais de 60 milhões de mulheres negras no Brasil. “A mídia constitui-se como o braço do racismo que chega na casa das pessoas todos os dias. O desafio está na busca dessa mídia da transformação que trate do direito ao direito”, afirma.

Para Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres no Brasil, esse é um momento especialmente difícil para as mulheres jovens em idade reprodutiva pela restrição no acesso à informação, contracepção e aborto. “Maternidade qualquer que seja é decisão das mulheres e não pode ser imposição. Tempos de zika confrontam com problemas estruturais da sociedade, perpassados pelo racismo e sexismo”, afirma.

Descentralização da mídia
Cláudia Colluci
”A mídia vive uma crise sem precedentes que tem como resultado o enxugamento das redações, conforme Cláudia Colluci, repórter da Folha de São Paulo. Ela diz que os tempos de zika são bem diferentes da época do surgimento da Aids, quando havia mais profissionais em campo. “Ficamos reféns do que chega, de dados oficiais e boletins, muitas vezes falhos. Precisamos do movimento de mulheres, não temos braços para sair em busca de cases. A mídia tradicional tem se pautado em outras mídias, é preciso que elas ganhem força.”


A defensora pública Ana Rita Prata falou sobre a importância das mídias alternativas e movimentos sociais para desconstruir o discurso técnico e levar a discussão para a periferia. “A falta de acesso à justiça é uma violação de direitos. O patriarcado tem interesse em manter o ciclo da violência, só com acesso à justiça ele pode ser quebrado”, afirma.

Catalina Navarro, colunista de periódicos na Colômbia e México, lembrou que as mulheres formam a maioria da população mundial, mas ainda são tratadas como minorias. “Como fazer para não ficar grávida se não temos autonomia reprodutiva? Não temos autonomia porque não somos tratadas como pessoas.” Ela aponta para a necessidade dos jornais abordarem a epidemia pautados pelos direitos humanos das mulheres. “Se não tem perspectiva de gênero não é jornalismo”, pontua.
Síndrome congênita do zika vírus e desinformação

Nova síndrome congênita e a desinformação


Ana Van Der Linden
Maira Sarauê Machado, diretora de pesquisa do Data Popular, apresentou uma pesquisa com mulheres vítimas da zika no Nordeste que revelou a desinformação sobre a síndrome congênita. A maioria das mulheres pesquisadas não havia planejado a gravidez e acreditava que a “doença da cabecinha” estaria ligada a um lote de vacinas vencidas. “A falta de informação acarreta baixa mobilização à prevenção”, destaca Maira.


A neurologista Ana Van der Linden do Instituto de Medicina Integral do Recife explica que o primeiro caso de bebê com a síndrome apareceu no início de setembro. Iniciou-se uma investigação hereditária até que outros casos apareceram, apontando ligação com o zika vírus. A medição da cabeça do bebê (perímetro cefálico) é uma das formas de avaliação da microcefalia, porém existem outras malformações da síndrome. “Microcefalia não é doença é um sinal que se exterioriza porque o cérebro não cresce ou cresceu e, depois de afetado pelo vírus, desaba”, explica a médica.

A microcefalia é somente um dos sintomas da síndrome congênita do zika vírus e, segundo especialistas, essa nomenclatura faz toda a diferença para a distinção de outros casos de microcefalia menos severos. “A síndrome congênita do zika vírus se caracteriza por uma grave e irreversível agressão ao sistema nervoso central ou ao crânio”, explica o médico Thomaz Gollop, coordenador do Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA).

O médico apontou para a desinformação provocada pela mídia e Ministério da Saúde, principalmente por não distinguirem os tipos de microcefalia: a primária, determinada pelo gene, e a secundária, consequência de agente externo como a sífilis e, neste caso, o zika vírus. “Vivemos um problema grave de omissão de informações. Essas mulheres não têm noção do que vem pela frente: maridos que abandonam e crianças que choram 20 horas por dia. O governo diz que vai dar suporte com fisioterapeuta e fonoaudióloga, mas sabemos como médicos, que para boa parte das crianças a situação é irreversível”, assinala.

Suzanne Serruya, diretora do Centro Latino-Americano de Saúde Materno Infantil da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), afirma que existe uma epidemia de rápida propagação em mais de 60 países, entre eles 35 americanos. “Espero que a zika não vire sífilis, uma doença de mulher pobre e negra que não tem acesso a serviço de saúde”, afirma a médica. Como o vírus da zika não apresenta sintomas, a mulher pode contraí-lo sem saber, tanto por meio da picada do mosquito quanto pela relação sexual. Ainda não há prevenção e tratamento específicos. “A síndrome congênita do zika vírus é uma nova infecção perinatal, transmitida de mãe para filha e filho, porém com um novo vetor, o aedes aegypti. Vetor que voa é mais difícil de controlar.”

Autonomia reprodutiva e a democracia
Débora Diniz
O documentário “Zika” com entrevistas de mulheres vítimas da zika na Paraíba foi exibido durante o seminário. A diretora Débora Diniz integra o grupo de especialistas que elabora uma ação ao Supremo Tribunal Federal para a garantia de direito ao planejamento familiar, proteção social e aborto legal. Uma ação similar levou à liberação do aborto nos casos de anencefalia em 2012. “O litígio é um caminho legítimo quando direitos individuais são violados. Falar em epidemia é falar de sofrimento e de riscos à saúde da mulher. É preciso garantir direito ao aborto enquanto durar a epidemia, não porque a zika causa microcefalia, mas pela tortura imposta às mulheres”, afirmou Débora.


No filme, fica evidente que a criminalização do aborto impõe constrangimento e limitação à vida das mulheres. O Brasil tem a legislação mais restritiva do mundo quando se trata de direitos reprodutivos, como afirma Jacqueline Pitanguy, coordenadora executiva da ONG Cepia. Conforme a coordenadora, o direito de decidir por manter ou não uma gravidez é marco de um país democrático e pluralista. “É vergonhoso o Brasil não ter alcançado a meta do milênio relacionada à mortalidade materna. A legislação em vigor, além de comprometer a vida das mulheres, não salva embriões. Direito reprodutivo é uma questão de justiça reprodutiva”, afirma.

Sonia Corrêa, coordenadora do Observatório de Sexualidade e Política, assinala que a negação do direito à autonomia reprodutiva no Brasil tem correlação com a crise democrática atual. Ela lembrou a juíza da Suprema Corte Americana, Ruth Ginsburg, que defende a autonomia reprodutiva como condição inegociável para a participação das mulheres na esfera pública, tanto no trabalho quando na vida política.

A pesquisadora explica que as leis que criminalizam o aborto no mundo têm origem religiosa, derivam de normas elaboradas pelos primeiros estados europeus no século XIX. “Essas leis impuseram restrições radicais à habilidade das mulheres de tomar decisões razoáveis sobre a vida sexual e reprodutiva. São conjuntos de estratégias disciplinares para converter as mulheres em dóceis, recatadas e do lar, perfil que está em moda no Brasil, apesar de ter mais de 200 anos.”
São mais de 7 mil casos notificados e 1.198 casos confirmados de síndrome congênita de zika vírus, que se concentram nos estados de Pernambuco, Bahia, Paraíba, Rio Grande do Norte, Maranhão, Ceará, Piauí, Alagoas e Sergipe. O último informe epidemiológico é de 23 de abril e está disponível aqui

terça-feira, 19 de abril de 2016

Artistas se reúnem em noite cultural contra o machismo

Coletivo Feminista "DesAMORdaçadas"

Cantoras, atrizes, poetas e artistas plásticas de Florianópolis se reúnem hoje, na Noite Cultural Catarinas, no Bar e Café Tralharia, no centro da cidade. O evento com atrações culturais e venda de obras artísticas busca levantar recursos para a campanha de financiamento coletivo do Portal Catarinas. É também um ato em favor da democracia e da representatividade das mulheres na política e contra as pautas de um congresso conservador que tem se empenhado em caçar direitos, especialmente das mulheres. A campanha para a criação do portal de jornalismo especializado em gênero, feminismos e direitos humanos segue até a próxima quinta-feira, 21 de abril.


Joana Castanheira no musical Sempre Mulher
A cantora e atriz Joana Castanheira preparou um repertório especial de cantoras brasileiras e internacionais para interpretar na noite. Ela integra o musical “Sempre Mulher” da Cia Grito, no qual canta sobre o machismo na sociedade. 

Joana lembra que o evento ocorre dois dias depois da votação, pela Câmara Federal, da admissibilidade do impeachment da primeira mulher eleita presidenta do país. “Eu acho incrível um evento feminista na mesma semana. É uma forma de mostrar luta e resistência”, afirma a atriz. 

Na votação que parou o país, o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), um dos maiores críticos ao ensino de gênero na escola, usou o tempo de fala para elogiar o coronel Brilhante Ustra que torturou a presidenta Dilma Rousseff na ditadura. Com orgulho, o parlamentar associou o “sim” pelo impedimento da presidente ao “sim” pelo golpe de 64. “Eu acho que esse é o maior retrato do machismo e do patriarcado institucionalizados no nosso país. Esses homens são líderes políticos e esse é um fato que me deixa muito abismada, mas que reflete exatamente quem é que faz a nossa política”, acredita a cantora

DJ e ativista social Alexandra Peixoto
Para a DJ e ativista social Alexandra Peixoto, que vai comandar a discotecagem da noite, esse é um bom momento para levantar o debate sobre a representação das mulheres na política. Numa Câmara Federal formada por 468 homens e 45 mulheres, a maioria dos legisladores fez questão de mostrar que segue à risca a cartilha da tradicional família cristã com um discurso que transforma tementes a Deus em seres livres de qualquer suspeita. “A quantidade das palavras deus e família proferidas são inversamente proporcional ao compromisso desses crentes com os valores cristãos e com as famílias de 54 milhões de pessoas que votaram na Dilma. Confundem integralmente o público com o privado, o que é a gênese da corrupção. Ou seja, quanto mais falavam em deus e família, mais eu via na testa um neon escrito 'corrupto'", pontua Alexandra.


Cantora e compositora Renata Swoboda
Não por acaso, a maioria dos legisladores que mencionou Deus é contra os direitos das mulheres, homossexuais e outras minorias. “Feliz é a nação que tem o senhor como Deus” foi o discurso recorrente em defesa de um Deus heterossexual, branco e de classe média. O presidente da casa, Eduardo Cunha, que também pediu a benção divina para a sessão, tem pelo menos 200 domínios de cunho religioso na internet, 150 com menção a "Jesus". É de autoria dele o projeto que dificulta o direito à informação sobre aborto legal e pílula do dia seguinte em casos de estupro. “Mais que nunca temos que nos unir. Vamos à luta companheiras de arte! Vamos a arte companheiras de luta”, faz o chamado com otimismo a cantora Renata Swoboda que vai apresentar suas músicas autorais em um show intimista.

A Noite Cultural Catarinas conta ainda com a poesia marginal e libertária das "Desamordaçadas" que trazem uma "Intervenção Poético-literária". "Mudamos nossas escolhas de poesias justamente por causa do episódio de domingo. Esse encontro representa resistência!", conta a poeta Mirelle Mei. O evento começa às 18 horas e segue até a meia-noite. A entrada é franca. O projeto Catarinas pode ser apoiado em www.catarse.me/catarinas

Serviço:
O que: Noite Cultural Catarinas
Quando: 19 de abril

Horário: a partir das 18h 
Onde: Bar e Café Tralharia (Rua Nunes Machado, 104, centro - rua lateral à Kiberândia)
Quanto: gratuito


Por quê: por um mundo com igualdade entre homens e mulheres

domingo, 17 de abril de 2016

Editorial Catarinas: “Imparcialidade” mascara o processo de inquisição contra a mandatária




Diante de um momento tão delicado em que vive a democracia brasileira;

Tendo em vista que somente em um Estado que respeita os direitos pleno individuais e coletivos é que poderá haver liberdade de expressão;

Considerando que o processo de impedimento da primeira mulher Presidenta da República,
eleita em processo democrático, está eivado de irregularidades e discursos vazios da moralidade, sobretudo porque a ela não foi atribuído nenhum crime que justifique seu afastamento.

Levando em conta que o atual Congresso Nacional tem se mostrado altamente conservador, trabalhando contra direitos conquistados ao longo dos poucos anos de experiência democrática vividos pelo Brasil, atacando diretamente a classe trabalhadora, as mulheres e outras “minorias";

A equipe do Portal Catarinas, no entendimento de que a imparcialidade neste momento mascara a verdade factual do processo de inquisição instaurado no país contra a mandatária, se posiciona contra o golpe legislativo e midiático, sustentado pelo silêncio do judiciário brasileiro.

Neste momento, defender a democracia está em consonância com a sororidade, diferente do que temos observado na prática das deputadas federais que hoje votam pelo impedimento de Dilma Rousseff. Pela necessidade da construção diária do feminismo, este que não se completa no capitalismo, mas sim numa sociedade mais justa e igualitária, comprometida com os direitos humanos a qual o jornalismo é defensor - senão por prática de alguns, mas pela excelência do que prevê nossa profissão - somos contra o golpe

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Sustentabilidade e engajamento: o financiamento coletivo como ferramenta de mobilização social

Reprodução (http://goo.gl/JQuWGq)

Por Clarissa Peixoto, produção de Paula Guimarães

Um nova perspectiva para desengavetar projetos tem mobilizado pessoas no Brasil nos últimos anos. É o financiamento coletivo que parece ter chegado para ficar. A modalidade permite financiar projetos de diversas áreas, como ciência e tecnologia ou produtos de arte no campo da música e da literatura, por exemplo. Através de uma plataforma na internet, apoiadorxs, anônimxs ou não, podem depositar valores nas campanhas e contribuir para que uma proposta com a qual se identifiquem seja realizada.

É o que aponta a cantora e bailarina, Tatiana Cobbett, sobre como essa experiência tem se tornado uma forma de troca com o público. "Três de nossos cinco discos foram realizados a partir dessa forma de financiamento. Tenho de reconhecer que esse caminho não só nos liberta quanto nos aproxima do nosso público, o colocando como agente e motivador para nossa produção musical. Também nos permite mais autenticidade e nos impõe responsabilidade com o que produzimos, fazendo diferença na demanda cultural", destaca.

Arquivo pessoal - Diogo Reeberg
Em vigor no Brasil desde 2011, o crowdfunding, como é também chamada essa modalidade, tem movimentado uma série de agentes que buscam outras formas de financiamento de sua produção. Para o co-fundador da plataforma Catarse, Diogo Reeberg, o financiamento coletivo é uma maneira da pessoa fazer parte de uma ideia acreditando em alguém que realiza aquele trabalho. "As pessoas buscam se conectar com alguma causa em que elas acreditam. Na pesquisa Retrato do Financiamento Coletivo do Brasil, a identificação com a causa foi apontada como a grande razão das pessoas contribuírem para os projetos".

Quando questionado sobre o futuro do crowdfunding no Brasil, Diogo é otimista. Na sua opinião, o financiamento coletivo, ainda recente no Brasil, deve expandir não só o número de projetos, mas propor uma nova mentalidade sobre a subsistência de iniciativas. "Vejo que, cada vez mais, vai se criar um ecossistema ao redor das plataformas de crowdfunding. Profissionais de vídeo, comunicação, gestores de campanha que oferecerão seus serviços para valorizar ainda mais a cadeia ao redor da modalidade. Isso ajudará os projetos a atingir com maior eficiência seus públicos-alvo e alçará o financiamento coletivo como uma das principais modalidades de captação de recursos e gestão de comunidade", diz.


Em busca da sustentabilidade do Jornalismo independente
O jornalismo vive um momento de ruptura com seu modelo tradicional. Não se trata de dizer que a internet substituirá o jornal, ou coisa do tipo, mas de discutir o modelo que o subsidia economicamente. Alguns caminhos podem ser apontados para gerar a sustentabilidade econômica de um veículo, mantendo sua independência editorial. Letícia Bahia, da Revista Azmina, entende que esse pode ser um modelo, mas é ainda é necessário fortalecer a cultura da doação. "O brasileiro é comprovadamente um povo que doa pouco, talvez por acreditar demais em um estado paternalista. É preciso entender que doar para projetos em que se acredita não é filantropia, é investimento".

Investir na produção de jornalismo independente, com uma linha editorial clara e que se proponha a ouvir as diversas vozes da sociedade, é uma realidade em consolidação. Segundo pesquisa do Catarse, 117 projetos de jornalismo já foram lançados, desde que a plataforma foi criada, levantando mais de R$1 milhão. Outras formas de financiamento também são possíveis. Diversos portais e blogs vêm desenvolvem mecanismos de contribuição em seus próprios veículos.

Reprodução - Azmina
Sobre o jornalismo independente, Letícia aponta que a independência de um veículo está ligada a um financiamento de recursos que não limitem sua liberdade editorial. Mas, segundo a jornalista, "é importante notar que isso é muito diferente de um jornalismo isento - coisa que não existe". Quando o assunto é a interferência do público, Letícia destaca que esse é um processo inclusivo e importante "Nós adoramos quando xs leitorxs influenciam nossa linha editorial. Nós inclusive estimulamos isso. Apostar no crowdfunding significa, entre outras coisas, dar ao leitor um lugar que não é de mera contemplação. É positivo engajar as pessoas na produção jornalística. O que é nocivo é enviesar ou suprimir pautas por interesses próprio de indivíduos ou grupos".

Na possibilidade de subsidiar financeiramente novas ideias, a função social do jornalismo parece ganhar novo fôlego, permitindo que outras narrativas sejam apresentadas à sociedade. Democratizar a comunicação, passa por criar outras iniciativas e redes de informação que sustentem esse segundo passo. De acordo com Letícia o jornalismo independente é a principal resposta ao monopólio da mídia. "Ele dialoga muito mais com o público. Muitas vezes ele se constrói a partir de narrativas de usuários de Facebook, por exemplo. Ele não pretende ter a pompa de um telejornal de TV, que apresenta 'a verdade'. No entanto, há um limite importante do quanto se pode avançar enquanto o país não repensar as concessões de rádio e TV".

Santa Catarina chegando junto!
Artistas e produtores culturais catarinense já participam dessa modalidade de financiamento e têm conseguido alcançar suas metas. Na maioria dos caso, os agentes de projetos nas plataformas optam pelo "tudo ou nada!”, formato em que caso o projeto não atinja o total dos recursos solicitados o valor arrecadado volta para quem o apoio. Desta forma, o desafio é criar uma rede de pessoas que realmente confiam no trabalho proposto, dando ao processo de arrecadação mais transparência.

Tatiana Cobbett é uma entusiasta desta proposta. Desde 2000 vive em Florianópolis e é uma motivadora de projetos culturais locais, além de estar antenada nos resultados dessas iniciativas no Brasil e no mundo. "Por ser uma artista que faz uso da plataforma é óbvio que também me coloco do outro lado, incentivando projetos que considero pertinentes. Sou uma apoiadora constante”. Ela aponta que ainda há uma "desconfiança" sobre a questão do uso do dinheiro e também o desconhecimento sobre as plataformas. “Contudo, isso vem mudando e muito rapidamente. Santa Catarina, por exemplo, está entre os dez estados - no Catarse - que mais fazem uso desta plataforma e com resultado positivo”, reforça.

A catarinense Simone Lolatto, doutoranda em Ciências Humana e ativista social, também é um exemplo de quem defende seu trabalho através de plataforma de financiamento coletivo. A estudante é uma das colunistas do blog Cientista que virou mãe, que trata dos temas maternidade, infância e empoderamento feminino. O veículo também vem financiando a produção de conteúdo através de plataforma própria. Simone está em campanha para financiar a produção de seu artigo “Ser mão ou não ser mãe? - Reflexos sobre aborto, saúde, anticoncepcionais e direitos”, um tema bastante polêmico e que relaciona não só sua competência profissional e acadêmica, como seu ativismo feminista.

“Vejo a alternativa do financiamento coletivo como mais uma forma de aproximação entre pessoas que batalham para produzir algo que acreditam muito, que botam fé naquilo que estão idealizando, e submetem este produto à sociedade para que avalie a necessidade (ou não) de tornar aquilo que é uma ideia em realidade”.

Simone aponta que há muito tempo as ativistas vêm se propondo a produzir conteúdo, geralmente em caráter gratuito, e esse pode ser um momento de conhecer um novo formato de dar sustentabilidade à produção de textos. “Estamos nos propondo a escrever com responsabilidade, sabendo que a publicação num portal de internet, de irrestrito e amplo acesso, é algo muito sério. Nossa proposta é viabilizar a 'produção sustentável', de um portal que não é financiado por empresas interessadas no 'comércio materno-infantil’”, finaliza.

O artigo “Ser mão ou não ser mãe? - Reflexos sobre aborto, saúde, anticoncepcionais e direitos” está em financiamento coletivo até o fim do dia 04 de abril.