sexta-feira, 27 de maio de 2016

Onde há machismo, há estupro


Uma mulher é vítima de estupro a cada 11 minutos no Brasil, conforme o último Relatório Brasileiro de Segurança Pública de 2015. Porém, se os dados de saúde foram incorporados, pode-se dizer que uma mulher é vítima de estupro a cada minuto. Santa Catarina, que já ocupou a terceira posição em estupros no país, é atualmente o quinto estado em duas situações, tanto em números absolutos de ocorrências, 2.878 casos, quanto nas maiores taxas de estupro para cada 100 mil habitantes, com índice de 42.8%. A quantidade de vítimas, porém pode ser muito maior, se levarmos em conta que os casos geralmente são subnotificados.

Duas mulheres jovens de idades muito próximas foram vítimas de estupro coletivo quase no mesmo dia, nos estados do Piauí e no Rio de Janeiro. Há um ano, também no Piauí, quatro adolescentes foram estupradas torturadas e tiveram seus corpos mutilados, uma delas morreu.

Não estamos na Índia, tampouco no Paquistão. Estupros coletivos acontecem no Brasil e no mundo. Onde há “machos” há estupro, piadas sobre estupro, feminicídio, culpabilização da vítima, violência doméstica, criminalização do aborto e formas visíveis e invisíveis de domesticar, controlar e violar os corpos das mulheres. Isso porque numa sociedade patriarcal mulheres são propriedades dos homens, do Estado e da igreja _ sendo esses dois últimos também dominados por homens.

O estupro é a exacerbação de toda uma violação cotidiana, permitida, banalizada e naturalizada de tal forma que se torna imperceptível. O estupro não se encerra no ato. Ele persiste no questionamento sobre a “índole” da vítima. De acordo com a roupa que a mulher usava, seus hábitos e comportamentos, é possível para essa sociedade deduzir facilmente que ela se insinuou ou, no mínimo, se expôs ao risco. Apesar de ter mais de 200 anos, o perfil “bela, recatada e do lar” ainda é o filtro que define as que merecem ou não serem estupradas no Brasil.

Os casos de estupro coletivo, especialmente do Rio de Janeiro, “chocam o Brasil” - como trata a mídia. Os ânimos ficam à flor da pele, alguns pedem execração em praça pública, outros tratam logo de se distinguir dos “machos” que estupram - porém sem abdicar de sua macheza, afinal, ela é mantenedora de sua dignidade, enquanto ser viril.

Catarinas se solidariza com essas vítimas e questiona: não havia um homem entre os 33, capaz de um gesto de humanidade? A resposta dada pelos fatos reforça a ideia do coleguismo entre machistas incapazes de refletir sobre sua condição, em especial no momento de domar e humilhar sua “fêmea”.

O machismo eleva o homem a um patamar de poder e supremacia sobre as mulheres. Para essa cultura, homens têm instintos incontroláveis, especialmente sexuais. Esses são rudes e não choram. Não brincam de boneca. São feitos para a guerra. Não lavam a louça e não cuidam de crianças. São servidos na casa e na cama. Forçam suas mulheres a manterem relações sexuais, mesmo sem o desejo delas. Acham justo que possam ter relações extraconjugais, assim como aceitam, mesmo que veladamente, a morte de mulheres por seus maridos numa situação de relacionamento extra-conjugal.

Foto: Marcela Cornelli

Não incluir o gênero no ensino das escolas é uma forma de não interferir na formação desses homens misóginos e machistas e, assim na sociedade que aceita a cultura do estupro. A Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, adotada pela resolução da Assembleia Geral da ONU em 1979, e ratificada pelo Brasil em 1984 reconhece que “é necessário modificar o papel tradicional tanto do homem, quanto da mulher na sociedade e na família”. Uma das medidas acordadas é a “eliminação de todo conceito estereotipado dos papéis masculino e feminino em todos os níveis e em todas as formas de ensino”.

Outros acordos se seguiram em esforços mundiais para eliminar todas as formas de discriminação. Recentemente, os países membros da ONU se comprometeram em garantir a igualdade de gênero com a implementação da Agenda 2030.

Mesmo tendo assinado e se comprometido com os documentos, o Brasil está na contramão. Além de não pautar o ensino, a perspectiva de gênero foi eliminada até mesmo do extinto Ministério das Mulheres. O gênero é uma palavra que causa repulsa em legisladores e religiosos. Esses têm o respaldo de pais que querem que seus filhos cresçam saudáveis e “machos”. A machocracia é um legado da tradicional família judaico-cristã brasileira e mantê-lo é uma questão de honra.

A machocracia não quer perder privilégios. Os estupradores não são monstros ou doentes, são homens.

Há uma expectativa da sociedade do justiçamento que esses homens sejam presos e transformados em “mulherzinhas” por outros “machos”. E assim, segue o ciclo das violências, a concreta no caso covarde contra os vulneráveis dentro da prisão e a simbólica no discurso que naturaliza o estupro contra mulheres.

Simone de Beauvoir conhecida por sua frase “Não se nasce mulher, torna-se mulher”, avaliou seu primeiro livro “O segundo sexo”, depois de lançado, e disse que acrescentaria a frase “Não se nasce homem, torna-se homem”.

“Machos” estupram porque estuprar é coisa desse homem construído socialmente para subjugar e odiar a mulher. Uma sociedade, cuja ideologia dominante é o patriarcado e cuja cultura é machista e misógina, produz estupros. A barbárie é senão produto da civilização machista.



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