Em 17 de maio, o mundo celebra o
Dia Internacional de Combate à Homofobia. Florianópolis tem um motivo para
comemorar neste ano com a aprovação pela câmara de vereadores do Projeto de
Lei 16.379/2015 que cria o Conselho Municipal de Direitos de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais – CMDLGBT. A lei foi sancionada pelo
prefeito César Souza Júnior, na última sexta-feira, (13). Ele se comprometeu
também com a implantação do Plano Municipal de Políticas LGBT.
É o primeiro conselho voltado à
luta dessas minorias no estado, depois de oito anos de construção do projeto.
As atividades alusivas começaram em 2 de maio e seguem durante todo o mês. “O conselho,
a coordenadoria e o plano são o tripé da cidadania LGBT”, afirmou Alexandre
Gastaldi do Grupo Acontece Arte e Política LGBT, no I Seminário da Câmara Técnica
Municipal LGBT, realizado na tarde do último sábado (14/5).
O seminário teve como encerramento uma dança circular, porém os participantes foram impedidos de dar continuidade pelos guardas municipais que estavam no estacionamento da Guarda Municipal de Florianópolis, local onde ocorreu o evento. "Eles disseram que no local não poderia haver movimentos de corpos", contou Guilhermina Ayres da Câmara Técnica LGBT.
A implantação do plano, assim
como do conselho, e outras ações para o enfrentamento à violência foram
discutidas no encontro. Os participantes aprovaram uma moção de repúdio à
Medida Provisória nº 726, de 12 de maio de 2016, assinada por Michel Temer, que
exclui temporariamente o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos
Direitos Humanos.
Criada em 2015 para
monitorar o Plano Municipal de Políticas LGBT, a câmara técnica foi responsável
pela organização da conferência municipal, pela revisão do projeto do conselho
e agora tem a competência de auxiliar na elaboração do regimento interno.
O conselho será composto por 20
conselheiros, 10 da sociedade civil e 10 do governo. Dalva Maria Kaiser da
Coordenadoria da Mulher de Florianópolis, explica que os próximos passos para a
implantação serão a criação do fórum das organizações não governamentais para
eleger os representantes e a indicação dos conselheiros governamentais pelo
prefeito. Com a nomeação, cria-se o regimento interno.
Crimes de ódio e ausência de
políticas públicas
Guilhermina Ayres |
O projeto
para a criação do conselho foi uma iniciativa de organizações da sociedade
civil inspiradas no exemplo de outras cidades do Brasil. A falta de denúncias
formais e a subnotificação dos crimes são os principais motivos para a ausência de políticas públicas direcionadas à comunidade. “O conselho terá a função de
fiscalizar e monitorar políticas públicas. Há muitos crimes relacionados ao
preconceito, a grande questão é que eles não são descritos como tal, o que leva
a uma falácia de que em Florianópolis não há ataques direcionados à comunidade
LGBT”, afirma Guilhermina.
O ponto alto das discussões do seminário foi a dificuldade de denunciar os crime, assim como relacioná-los ao ódio de gênero, especialmente assassinatos.
O ponto alto das discussões do seminário foi a dificuldade de denunciar os crime, assim como relacioná-los ao ódio de gênero, especialmente assassinatos.
Paulo Roberto Andrade |
Entre os motivos estão a vergonha
por parte da vítima ou da família, o falho acolhimento pelos órgãos públicos, a
sensação de impunidade, a negativa dos serviços policiais de se deslocarem até
os hospitais e o medo de retaliação pela polícia, que seria responsável por
grande parte das agressões.
O escrivão Paulo Roberto Andrade
lembrou o assassinato recente, no sul da ilha, de um homem que foi amarrado e
arrastado, com indicativo de crime de intolerância, mas que não foi
classificado dessa maneira, nem mesmo a questão foi levantada pela mídia.
Margarethe Hernandes |
Outra forma de discriminação vem da própria justiça ao indeferir pedidos de casamentos homoafetivos, como lembrou Margarethe Hernandes da Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero da OAB/SC.
Ela se colocou à disposição para auxiliar em casos de promotores e juízes que não acatam a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), bem como para outras formas de preconceito.
Lirous Ávila, representante
da Associação em Defesa dos Direitos Humanos (Adeh) e do Fórum da
Diversidade, falou ainda sobre os obstáculos aos encaminhamentos das
denúncias do disque 100 (direitos humanos) devido à falta de mão de obra e de
abrigo às pessoas em situação de violência. “Muitas dessas denúncias são
guardadas na pasta. Em alguns casos, temos que levar a vítima para nossas casas
porque em Florianópolis não há nenhum abrigo que funcione”, revela.
Violência
institucionalizada
Uma
pesquisa realizada em 2013 pela Adeh, ajudou a sinalizar para os
tipos de violência, negligência e discriminação cometidas contra as pessoas que
não se enquadram na ordem heteronormativa e deu sustentação à criação do
conselho. Das pessoas entrevistadas, 34,5% relatam já terem feito alguma
denúncia de violência, dessas 64% a fizeram junto à polícia. Lirous Ávila |
O levantamento indicou que parte dos
agentes de violência identificados são operadores das políticas públicas, em
especial de educação (31%) e saúde (20%), seguidos da segurança pública (26,6%)
e do serviço de assistência social (3,5%).
O trabalho destaca que com freqüência era necessário explicar para as pessoas o que significa violência psicológica e, não raro, foi constatado que muitas não entendiam o que tinham vivenciado como uma forma de violência. “Isso é normal” e “isso sempre acontece na escola” foram frases constantes. O relatório constatou que há práticas que são “naturalizadas” e “banalizadas” a tal ponto que não são significadas como formas de violência.
O trabalho destaca que com freqüência era necessário explicar para as pessoas o que significa violência psicológica e, não raro, foi constatado que muitas não entendiam o que tinham vivenciado como uma forma de violência. “Isso é normal” e “isso sempre acontece na escola” foram frases constantes. O relatório constatou que há práticas que são “naturalizadas” e “banalizadas” a tal ponto que não são significadas como formas de violência.
Guilhermina explica que as
organizações já atuam na capacitação de profissionais para um atendimento
humanizado, especialmente nas escolas, com palestras sob demanda, e que o plano
municipal de políticas LGBT propõe a inclusão da capacitação de funcionários no
plano de administração de escolas.
Avaliação e propostas de enfrentamento à violência
Alexandre Gastaldi destacou como
avanço a recente autorização do uso de nome social no serviço público pelo
decreto da presidenta Dilma Rousseff.
O ativista que esteve à frente da mobilização para a criação do conselho estadual explica que o projeto de lei, elaborado pelas organizações, havia sido encaminhado pelo governador do estado Raimundo Colombo à Assembléia Legislativa, porém com várias modificações, entre elas a não paridade no número de conselheiros, dando vantagem ao governo. Depois de alterado pelas organizações, ele foi encaminhado à votação, mas por falta de quórum, a sessão foi cancelada. “Os próprios deputados da base governista boicotaram a aprovação com a ausência nas sessões de votação”, explicou.
O ativista que esteve à frente da mobilização para a criação do conselho estadual explica que o projeto de lei, elaborado pelas organizações, havia sido encaminhado pelo governador do estado Raimundo Colombo à Assembléia Legislativa, porém com várias modificações, entre elas a não paridade no número de conselheiros, dando vantagem ao governo. Depois de alterado pelas organizações, ele foi encaminhado à votação, mas por falta de quórum, a sessão foi cancelada. “Os próprios deputados da base governista boicotaram a aprovação com a ausência nas sessões de votação”, explicou.
A advogada Alcenira Vanderlinde,
representante da Secretaria de Estado da Assistência Social, Trabalho e
Habitação avaliou que a 3ª Conferência Estadual de Direitos LGBT, realizada em
março desde ano, teve abrangência mais ampla do que as anteriores, dividindo-se
em municipais, livres e regionais, entretanto sem atingir a Região Serrana.
Para ela, a conferência demonstrou o protagonismo dos movimentos sociais e a
pouca participação de representantes governamentais. “As conferências foram
construídas coletivamente pelas organizações. Tivemos participação elevada e
alto grau de debate. Existe uma receptividade da cassa civil de retomar o
processo para a criação do conselho estadual. A luta é grande. Não podemos ir
para o gueto. Temos que nos articular, construir pontes”, destaca.
No Brasil
O Brasil é o país que mais mata
travestis e transexuais no mundo. Entre janeiro de 2008 e março de 2014, foram
registradas 604 mortes no país, segundo pesquisa da organização não
governamental Transgender Europe (TGEU), rede europeia de organizações que
apóiam os direitos da população transgênero.
O último Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil, publicado, em
2012, apontou o recebimento, pelo Disque 100, de 3.084 denúncias de violações
relacionadas à população LGBT, envolvendo 4.851 vítimas. Em relação ao ano
anterior, houve um aumento de 166% no número de denúncias – em 2011, foram
contabilizadas 1.159 denúncias envolvendo 1.713 vítimas. Os números podem
ser ainda maiores já que os casos de violência contra travestis e transexuais
são subnotificados.
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