quinta-feira, 31 de março de 2016

“É golpe”, concluem juristas de Santa Catarina no encontro pela legalidade, democracia e justiça



















Por Paula Guimarães.


Juristas, jornalistas, artistas e tantos outros profissionais se reuniram, na tarde de ontem, no auditório da Federação dos Trabalhadores no Comércio no Estado de Santa Catarina (Fecesc), em Florianópolis, para discutir o momento de instabilidade no encontro “Juristas pela legalidade, democracia e justiça.” Os juristas se posicionaram contrários ao pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff feito pela OAB por acreditarem na inexistência de crime de responsabilidade. Entre os encaminhamentos do encontro estão um ato de protesto na sede do órgão, em Florianópolis, com a entrega do documento “Juristas Contra o Golpe” e a adesão às manifestações de hoje, 31 de março, com concentração na Câmara Municipal, às 16h. 

"É difícil manter a razão quando a gente vê grupos de advogados no Congresso gritando 'Fora PT'. Isso é vergonhoso. De fato está acontecendo um golpe. A questão é o que fazer? É preciso dar efetividade a tudo que se fala. Não temos tempo, precisamos mostrar à população que se trata de um golpe", afirma a advogada trabalhista Rosângela de Souza.

Gabriel Faria Oliveira, defensor público da União, falou sobre a preocupação com o estado policial que se implantou no país em desrespeito à ampla defesa e ao direito ao contraditório. “O princípio da contradição e a ampla defesa foram impedidos. É uma violação de regra. Estes que apóiam podem não ter direitos depois”, alerta.

Segundo ele, o pedido de desculpas do juiz Sérgio Moro ao STF pela escuta telefônica e vazamento não garante a possibilidade de retração diante da exposição da presidenta e do impacto gerado. “Dilma não tem contestação pessoal e pública. Esse é um processo puramente político”, afirma.

Geyson Gonçalves, advogado de Direito Civil e do Consumidor, tratou da ligação direta entre a posição da OAB e as escutas telefônicas divulgadas amplamente na Globo News no dia anterior à decisão do órgão. Conforme o advogado, em novembro do ano passado, os juristas da OAB entenderam que não havia elementos suficientes para o pedido de impeachment. “Três meses depois, após divulgação de uma escuta ilegal, que inclusive vitimou um advogado, a decisão é revista. Não é a primeira vez que erramos. Nós estamos aqui para dizer que somos contra o pedido de impeachment pela absoluta inexistência de crime de responsabilidade”, declara.

Para Samuel Martins, professor de Direito Constitucional, um processo de impeachment é um momento de tensão política e jurídica e o seu afastamento da legalidade o aproxima do conceito de golpe. O jurista lembrou dos golpes de Estado na América Latina e, mais recentemente, no Paraguai, caracterizado como golpe encoberto ou “golpe branco”. “Golpe é a alternância de poder sem observância da constituição. É um Estado de exceção. Direito não é opinião, não se resume à pressão política”, acredita.

O professor explicou que as pedaladas fiscais não constituem um fato reconhecido como irregular, no entanto, têm sido apresentados como elementos suficientes para o processo de impeachment. Ele explica ainda que o ex-presidente Lula não é réu em nenhum processo e que existe apenas uma instrumentalização simbólica da área do direito apenas para destituir um chefe do Estado. “Qualquer democracia qualificada precisa e passa pelo direito”, finalizou.

Para Alexandre Botelho, advogado e professor de Direito Constitucional, a luta precisa ser travada no campo da razão, no respeito à constituição, diferente do que está em andamento no país. “Precisamos levar a razão para aqueles que estão cheios de ódio. A constituição está no topo do ordenamento. A perda dessa luta representa um atraso, perda de direitos. Será a vitória do ódio, do machismo, do racismo e da violência”, alertou.

Daniela Felix, advogada do Coletivo Catarinas de Advocacia Popular e da Rede Nacional de Advogados Populares (Renap) e professora de Direitos Humanos, leu a carta manifesto em repúdio ao posicionamento político ideológico da OAB e ao movimento “golpista”. No documento, os juristas pontuam as ameaças às conquistas sociais dos últimos anos e destacam os interesses que estão em jogo. “Somos contrários ao movimento de entrega do país ao capital estrangeiro. Será o fim dos programas sociais e a venda da Petrobras”. Ela fechou a fala dizendo que os juristas não se sentem representados pela OAB. “Vai ter luta e não vai ter golpe”, afirma.

Prudente José Silveira Mello, advogado trabalhista, iniciou sua explanação com uma frase de Paulo Freire: “precisamos aprender a história para poder fazê-la e depois ser feitos por ela”.  Na opinião dele, é preciso olhar para o momento político por uma perspectiva de memória, verdade e justiça. “A OAB se posicionou favorável ao golpe de 64 e se arrependeu. Não seguimos o conselho de Paulo Freire, não aprendemos nada com a história”, afirma.

Para ele, o jogo de interesses atual tem a mesma gênese do golpe civil-militar de 64. “É um golpe sobre os direitos trabalhistas. Ontem mesmo foi votado o processo de terceirização”, destacou. Com o documento “Ponte futuro” do PMDB em mãos, revelou as propostas do partido como a venda da Petrobras e o fim das políticas sociais como o Prouni.  

“É o negociado sobre o legislativo, o que for contratado se sobrepõe à lei”. E finalizou: “quem não conhece a história está condenado a repeti-la, a ordem não conhece sua história.”

Participaram da discussão ainda Sandro Sell, advogado e professor de Direito Penal, e Hélio Brasil, advogado criminalista e presidente da Associação dos Advogados criminalistas do Estado de Santa Catarina (Aacrimesc). Ao final, o debate foi aberto ao público e muitas pessoas fizeram ligação entre o iminente golpe com o de 64, lembrando as crueldades vividas num estado de exceção. 

Um participante relatou que um juiz da Vara do Trabalho da Capital teria usado uma máscara de Sérgio Moro durante uma audiência e afirmado “Moro é meu ídolo, eu gostaria de ser como ele." A fala causou perplexidade nos presentes por reafirmar o cenário de instabilidade jurídica, pautado simplesmente pela emoção.

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