quinta-feira, 31 de março de 2016

“É golpe”, concluem juristas de Santa Catarina no encontro pela legalidade, democracia e justiça



















Por Paula Guimarães.


Juristas, jornalistas, artistas e tantos outros profissionais se reuniram, na tarde de ontem, no auditório da Federação dos Trabalhadores no Comércio no Estado de Santa Catarina (Fecesc), em Florianópolis, para discutir o momento de instabilidade no encontro “Juristas pela legalidade, democracia e justiça.” Os juristas se posicionaram contrários ao pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff feito pela OAB por acreditarem na inexistência de crime de responsabilidade. Entre os encaminhamentos do encontro estão um ato de protesto na sede do órgão, em Florianópolis, com a entrega do documento “Juristas Contra o Golpe” e a adesão às manifestações de hoje, 31 de março, com concentração na Câmara Municipal, às 16h. 

"É difícil manter a razão quando a gente vê grupos de advogados no Congresso gritando 'Fora PT'. Isso é vergonhoso. De fato está acontecendo um golpe. A questão é o que fazer? É preciso dar efetividade a tudo que se fala. Não temos tempo, precisamos mostrar à população que se trata de um golpe", afirma a advogada trabalhista Rosângela de Souza.

Gabriel Faria Oliveira, defensor público da União, falou sobre a preocupação com o estado policial que se implantou no país em desrespeito à ampla defesa e ao direito ao contraditório. “O princípio da contradição e a ampla defesa foram impedidos. É uma violação de regra. Estes que apóiam podem não ter direitos depois”, alerta.

Segundo ele, o pedido de desculpas do juiz Sérgio Moro ao STF pela escuta telefônica e vazamento não garante a possibilidade de retração diante da exposição da presidenta e do impacto gerado. “Dilma não tem contestação pessoal e pública. Esse é um processo puramente político”, afirma.

Geyson Gonçalves, advogado de Direito Civil e do Consumidor, tratou da ligação direta entre a posição da OAB e as escutas telefônicas divulgadas amplamente na Globo News no dia anterior à decisão do órgão. Conforme o advogado, em novembro do ano passado, os juristas da OAB entenderam que não havia elementos suficientes para o pedido de impeachment. “Três meses depois, após divulgação de uma escuta ilegal, que inclusive vitimou um advogado, a decisão é revista. Não é a primeira vez que erramos. Nós estamos aqui para dizer que somos contra o pedido de impeachment pela absoluta inexistência de crime de responsabilidade”, declara.

Para Samuel Martins, professor de Direito Constitucional, um processo de impeachment é um momento de tensão política e jurídica e o seu afastamento da legalidade o aproxima do conceito de golpe. O jurista lembrou dos golpes de Estado na América Latina e, mais recentemente, no Paraguai, caracterizado como golpe encoberto ou “golpe branco”. “Golpe é a alternância de poder sem observância da constituição. É um Estado de exceção. Direito não é opinião, não se resume à pressão política”, acredita.

O professor explicou que as pedaladas fiscais não constituem um fato reconhecido como irregular, no entanto, têm sido apresentados como elementos suficientes para o processo de impeachment. Ele explica ainda que o ex-presidente Lula não é réu em nenhum processo e que existe apenas uma instrumentalização simbólica da área do direito apenas para destituir um chefe do Estado. “Qualquer democracia qualificada precisa e passa pelo direito”, finalizou.

Para Alexandre Botelho, advogado e professor de Direito Constitucional, a luta precisa ser travada no campo da razão, no respeito à constituição, diferente do que está em andamento no país. “Precisamos levar a razão para aqueles que estão cheios de ódio. A constituição está no topo do ordenamento. A perda dessa luta representa um atraso, perda de direitos. Será a vitória do ódio, do machismo, do racismo e da violência”, alertou.

Daniela Felix, advogada do Coletivo Catarinas de Advocacia Popular e da Rede Nacional de Advogados Populares (Renap) e professora de Direitos Humanos, leu a carta manifesto em repúdio ao posicionamento político ideológico da OAB e ao movimento “golpista”. No documento, os juristas pontuam as ameaças às conquistas sociais dos últimos anos e destacam os interesses que estão em jogo. “Somos contrários ao movimento de entrega do país ao capital estrangeiro. Será o fim dos programas sociais e a venda da Petrobras”. Ela fechou a fala dizendo que os juristas não se sentem representados pela OAB. “Vai ter luta e não vai ter golpe”, afirma.

Prudente José Silveira Mello, advogado trabalhista, iniciou sua explanação com uma frase de Paulo Freire: “precisamos aprender a história para poder fazê-la e depois ser feitos por ela”.  Na opinião dele, é preciso olhar para o momento político por uma perspectiva de memória, verdade e justiça. “A OAB se posicionou favorável ao golpe de 64 e se arrependeu. Não seguimos o conselho de Paulo Freire, não aprendemos nada com a história”, afirma.

Para ele, o jogo de interesses atual tem a mesma gênese do golpe civil-militar de 64. “É um golpe sobre os direitos trabalhistas. Ontem mesmo foi votado o processo de terceirização”, destacou. Com o documento “Ponte futuro” do PMDB em mãos, revelou as propostas do partido como a venda da Petrobras e o fim das políticas sociais como o Prouni.  

“É o negociado sobre o legislativo, o que for contratado se sobrepõe à lei”. E finalizou: “quem não conhece a história está condenado a repeti-la, a ordem não conhece sua história.”

Participaram da discussão ainda Sandro Sell, advogado e professor de Direito Penal, e Hélio Brasil, advogado criminalista e presidente da Associação dos Advogados criminalistas do Estado de Santa Catarina (Aacrimesc). Ao final, o debate foi aberto ao público e muitas pessoas fizeram ligação entre o iminente golpe com o de 64, lembrando as crueldades vividas num estado de exceção. 

Um participante relatou que um juiz da Vara do Trabalho da Capital teria usado uma máscara de Sérgio Moro durante uma audiência e afirmado “Moro é meu ídolo, eu gostaria de ser como ele." A fala causou perplexidade nos presentes por reafirmar o cenário de instabilidade jurídica, pautado simplesmente pela emoção.

Iara Iavelberg: pela memória de mulheres que lutaram contra a ditadura

Iara Iavelberg
















Por Clarissa Peixoto. 


Há 52 anos do golpe militar que instaurou um regime de exceção no Brasil, nada mais justo que refletir sobre os desdobramentos desse processo na atualidade. Pela memória, pela verdade e pela justiça é que hoje nos propomos a construir novas narrativas sobre este período tão sombrio e ameaçador de nossa história. Precisamos falar sobre o que aconteceu para que, nunca mais, regimes autoritários (militares ou não!) sejam implantados no Brasil.

Neste 31 de março, rememoramos Iara Iavelberg, assassinada brutalmente pela ditadura militar. Iara morreu aos 27 anos, mas teve uma intensa participação política. Integrou grupos de resistência armada, dedicou-se ao estudo e à compreensão da realidade, foi uma mulher a frente de seu tempo. Lutou ao lado de Carlos Lamarca, figura emblemática da luta contra a ditadura.


No documentário "Em busca de Iara", a trajetória da ativista política é recontada até o dia do seu assassinato, num apartamento no bairro Pituba, em Salvador/BA. A versão oficial dos militares afirmou suicídio, mas familiares e pessoas que conviveram com Iara nunca acreditaram. Em 2003, o corpo de Iara foi exumado e contestada a tese de suicídio. O desejo da família de recontar esta história inspirou a roteirista do filme e sobrinha de Iara, Mariana Pamplona, que em 2014 lançou o filme, dirigido por Flávio Frederico.



"Em busca de Iara" compõe um conjunto de obras que nos ajuda a esclarecer esse período de violência e controvérsia da história brasileira. Novas vozes recontando a história de nosso povo que é sonegada dele próprio. Pela memória de Iara e tantas outras, verdade e justiça.

#SomosMuitas #GolpeNuncaMais #MemóriaVerdadeJustiça


Trailer oficial do filme 



sexta-feira, 25 de março de 2016

(Em) Companhia das Mulheres questiona papéis dados às mulheres na vida e no palco


Por Paula Guimarães.


Elas eram alunas de Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) quando se uniram no Coletivo de Pesquisa Teatral Feminista, em 2010, para a criação de um espetáculo que abordasse as faces do feminismo contemporâneo. Depois de dois anos, criaram a (Em) Companhia de mulheres, formada pelas atrizes Meire Silva, Drica Santos e Priscila Mesquita e a produtora Tatiana Lee. Atualmente, levam ao palco na peça Boneca de Pano a violência doméstica, o casamento, a maternidade e suas implicações como o aborto e a violência obstétrica. “Nossa proposta é questionar e reavaliar comportamentos para romper com os estereótipos machistas e sexistas perpetuados pela sociedade patriarcal”, explica Meire. Em entrevista, a atriz Meire Silva conta sobre o trabalho diferenciado que questiona as representações tradicionais dadas às mulheres no teatro canônico, nos meios de comunicação de massa e em diversos âmbitos sociais.

Como surgiu a ideia de criar uma companhia de teatro formada somente por mulheres?
Meire Silva: A ideia de reunir mulheres para criar um espetáculo feminista foi proposta na pesquisa de mestrado em Teatro de Priscila Mesquita, facilitada pela orientadora Maria Brigida de Miranda, que reuniu suas duas outras orientandas, eu e Lisa Brito para que juntas coordenássemos os trabalhos práticos. Brigida também reuniu neste grupo as alunas que faziam parte do grupo de estudos "Teatro e Gênero" (UDESC). Em 2012, quando finalizadas as pesquisas de mestrado, resolvemos dar continuidade ao trabalho, com apenas duas integrantes, e criar um novo espetáculo, para o qual convidamos a atriz Drica Santos a se integrar à companhia.

Qual o posicionamento da companhia ao adotar o feminismo?
Meire Silva: (Em) Companhia de Mulheres coloca em cena questões referentes às mulheres na sociedade atual, evidenciando a necessidade e urgência de enfrentarmos e superarmos velhos e novos desafios. Acreditamos na arte teatral como um meio importante para discutir as questões referentes às mulheres, as quais repercutem em variados espaços da organização social, sejam públicos ou privados. Não temos a intenção de perpetuar o sexismo e sim criar espaço para a voz, ações e legitimidade da mulher tanto na sociedade quanto na arte. Os homens que se identificam com a causa e lutam por uma sociedade mais justa e igualitária são bem-vindos. Desde o início já contamos com a colaboração de vários representantes do sexo masculino, em diferentes atividades, como fotografia, filmagem, produção, iluminação, trilha sonora e cenografia.

O espetáculo feminista “Boneca de Pano foi apresentado recentemente no Sesc Prainha, em Florianópolis, integrando a campanha Março é Delas. Como surgiu a ideia de criar o espetáculo?
Meire Silva: A criação, concepção e atuação no projeto “Boneca de Pano”, tem como base a prática devisedtheatre, na qual o texto e o espetáculo são criados em ensaios, a partir de estímulos variados. É a segunda montagem da (Em) Companhia de Mulheres e teve sua estreia em 2013. A inspiração para a construção da peça veio de notícias e matérias de jornal, da Lei Maria da Penha e das experiências das atrizes.


De que forma o espetáculo aborda a questão das mulheres?
Meire Silva: O espetáculo Boneca de Pano Livre é uma adaptação do texto “Abbiamo tutte la stessa storia” (1977), de Dario Fo e Franca Rame, e tem seu texto dividido em três monólogos que se complementam, apresentando a transformação da mulher no decorrer da vida. Três atrizes compartilham as diferentes fases de uma mulher, em uma encenação que traz à tona questões como o aborto, a violência e o sexismo. A metáfora da “Boneca de Pano” perpassa a fala das personagens que, em devaneios, fazem saltar, da esfera privada para a pública, as experiências das mulheres e atrizes num misto de denúncia e confissão.


Como são os debates gerados depois da peça? Qual a reação do público?
Meire Silva: Preferimos utilizar o termo diálogos no lugar de debate, pois parece criar uma atmosfera mais propícia ao que realmente queremos. Estes são sempre surpreendentes, usando o espaço/tempo de discussão que foi aberto como assembleia, após as apresentações teatrais, o público expõe seus questionamentos, suas experiências, suas indignações, inquietações e anseios por mudanças de comportamento. Na experiência que tivemos com educandxs e educadorxs da rede pública de ensino em Florianópolis e Araranguá, percebemos jovens desesejosxs e carentes deste espaço de diálogo, para que possam trocar suas experiências com pessoas de diferentes faixas etárias, e com experiências e pontos de vista diferentes. E esse diálogo, ele é propício para instigar reflexões, pois ouvimos alguns falarem: “Eu nunca tinha pensado sobre isso”, ou então “eu nunca tinha pensado desse ponto de vista”. 

Que outros espetáculos vocês já desenvolveram sobre o tema?
Meire Silva: Entre 2010 e 2011, como parte das pesquisas de mestrado, trabalhamos na criação do espetáculo feminista Jardim de Joana, com dramaturgia e autoria do próprio coletivo. Neste trabalho abordamos a temática do casamento homoafetivo entre mulheres e suas implicações legais e sociais dentro de uma sociedade regida por uma política heterossexual.


Como você analisa a participação/representatividade das mulheres nas artes, especialmente no teatro?
Meire Silva: A (re) definição do papel da mulher na sociedade a coloca como sujeito atuante em busca de sua autonomia, e assim passa a ser revista a sua própria representatividade na cena, na história e na crítica teatral, um modo de desafiar a objetificação e a colocar como sujeito ativo e histórico. Para o entendimento da noção de sujeito pode-se verificar a afirmação de Sue-Ellen Case (1988) ao discutir a poética do teatro feminista, que a autora trata como uma ‘nova poética‘ teatral. Importante para as feministas que buscam um espaço representativo para as mulheres, que irá apontar a aculturação do gênero promovida através do quadro representacional e das opressões da ideologia dominante, as diferenças entre o teatro de mulheres e o teatro feminista não podem ser ignoradas, mas podem ser harmonizadas se houver reconciliação na amplitude da própria definição de ambos os termos.


Santa Catarina tem aceitado essa temática?
Meire Silva: Santa Catarina é o quinto estado do país com maior índice de violências e estupros, dado que nos apresenta o quanto ainda temos que trabalhar/lutar por uma sociedade mais justa e igualitária. As políticas públicas de cultura de nosso estado estão negligenciando possibilidades de ações culturais em geral. Quando assumimos um posicionamento político feminista no teatro isso tende a ser mais complexo e com menos oportunidades na concorrência em editais e pautas em espaços públicos teatrais em geral. Mas estamos dispostas a continuarmos íntegras com nossos ideais e seguirmos com nossas ações, pois as pessoas que compõem nosso público nos dão respaldo sobre a importância de discutirmos em assembleia estes temas que dizem respeito à sociedade.


​Quais os novos projetos da companhia?
Meire Silva: Estamos realizando uma pesquisa sobre a presença e contribuições das mulheres nas ciências e nas tecnologias, um projeto contemplado no edital “Elas nas exatas”, organizado pelo Fundo de Investimento Social Elas em 2015. O mesmo terá estreia em agosto e será primeiramente direcionado a educandxs do ensino médio de escolas públicas de Florianópolis. Na sequência será aberto para o público em geral

Como vocês se veem no futuro?
Meire Silva: Desejamos contribuir com arte teatral e com uma sociedade mais justa. Pretendemos seguir com o nosso trabalho, criar novos espetáculos, agregar mais pessoas no coletivo. Alcançar uma quantidade de público cada vez maior e ter espaço de visibilidade e oportunidades para o desenvolvimento da companhia.

Que contribuição a arte pode dar às lutas sociais, étnicas e de gênero, como o feminismo?
Meire Silva: O coletivo busca na contemporaneidade, verificar seus desafios e encontrar estratégias a partir da arte teatral, como viés de educação artística e socioeducativa, para viabilizar diálogos que promovam reflexões e transformações nas estruturas de nossa organização social, tendo por foco a equidade de gênero, etnia e classe social. Propomos assim, com a nossa arte, chamar a sociedade para refletirmos e agirmos juntos para melhorar a condição da vida humana. Pois o que se refere à mulher, também diz respeito a todxs na sociedade.

Como os políticos estão tornando os abortos menos seguros

Eles dizem que querem menos abortos tardios nos Estados Unidos, mas suas novas restrições levaram as mulheres a realizar abortos mais tarde na gestação. Contemplem como eles “protegeram” as mulheres.


Reportagem da Revista Cosmopolitan (Estados Unidos)
Tradução de Catarinas por Roberta Ribeiro



Eles parecem ter razões tão sensíveis e solidárias para fazer do aborto após 20 semanas de gravidez um crime.

“[Isso} não proíbe todos os abortos... e apresenta um meio termo.” – ex-senador do Nebraska, Mike Flood, responsável pelo primeiro banimento em nível estadual.

“Nós temos a obrigação moral de extinguir os perigosos abortos tardios para proteger as mulheres e esses preciosos bebês.” – Rep. Marsha Blackburn, co-fundadora do banimento nacional proposto.

“A dignidade de toda e cada vida humana é fundamental.” – Senador Marco Rubio, candidato à presidência.

Eu adoraria ensinar a esses políticos o que eles estão realmente fazendo, principalmente à dignidade da vida humana. Eu começaria a lição no escritório apertado da Coligação Religiosa da Escolha Reprodutiva do Novo México. Eles ficariam sentados em uma cadeira marrom encaroçada e escutariam enquanto um funcionário respondesse às ligações feitas à linha direta da coligação. Trim. Trim. Trim. Cada ligação é de uma mulher desesperada por estar grávida. A coligação é parte de uma rede nacional, com afiliados em 11 estados que fornecem comida, moradia e transporte, como uma linha de trem clandestina de abortos. As ligações chegam ao escritório por todo o dia, sendo transferidas para os celulares dos funcionários à noite.

A maior parte das mulheres que ligam estão em um período avançado de gestação, foram proibidas por lei de realizar um aborto em seus estados, diz Joan Lamunyon Sanford, diretor executivo da Coligação de Novo México. Elas pegaram empréstimos com suas famílias, vendendo seus carros ou penhorando o anel de noivado de suas mães. Isso é perversamente estressante, porque quanto mais grávida você está, mais difícil é se tornar não-grávida – no que diz respeito ao tempo, dinheiro, dor e risco à saúde. Se ao menos nessa parte do mundo as clínicas médicas que oferecem tratamento ginecológico completo não fossem tão escassas e distantes umas das outras. Eventualmente, essas mulheres fazem toda e qualquer coisa concebível que elas podem antes de que seja tarde demais para chegar à Albuquerque, cidade a qual o grupo anti-aborto Operation Rescue (Operação Resgate) apelidou de “capital mundial do aborto tardio”.

Ela não costumava ser.

A paisagem mudou depois das eleições de 2010, que resultou nos Republicanos controlando 59 das 99 câmaras legislativas estaduais e determinando as novas restrições no que diz respeito ao aborto. “Aquelas novas leis aumentaram a necessidade de abortos tardios,” diz Glenna Halvorson-Boyd, PhD, que, com seu marido Curtis Boyd, PhD, dirige a Southwestern Women’s Options, em Albuquerque, a qual realiza abortos no terceiro trimestre da gravidez. “Eu gostaria de acreditar que foi a ‘lei das consequências não intencionais’ trabalhando, mas eu acredito que foi sim intencional.”

Algumas das 289 novas regras anti-aborto aprovadas desde 2010 são falaciosas – Kansas e Texas exigem que as mulheres que estejam procurando por aborto sejam “informadas” que o procedimento está “ligado” ao câncer de mama, o que está claramente comprovado cientificamente que não é verdade. Algumas das regras levam as clínicas à falência – aproximadamente duas dúzias de estados exigem que as clínicas sejam defraudados como centros ambulatoriais e cirúrgicos, mantendo milhões de dólares em equipamento e funcionários que provavelmente nunca irão utilizar. Algumas estão brutalmente cobrando de seus pacientes, exigindo períodos de espera e múltiplas consultas. Algumas das leis têm um quê de seria engraçado se não fosse trágico para os médicos – como por exemplo quando o estado exige que médicos que permitem os abortos tenham privilégios em hospitais que normalmente não dão esse tipo de privilégio.

Os políticos que passam as leis anti-aborto normalmente argumentam que eles querem fazer com que o aborto seja mais seguro para as mulheres. Quando o então governador do Texas Rick Perry assinou a nova e rigorosa lei de abortos estadual em julho de 2013, ele disse que isso ajudaria a “melhorar a qualidade da assistência que as mulheres recebem”.

No mundo real, a lei forçou as mulheres a retardar a assistência. O tempo de espera para uma consulta em uma das últimas duas clínicas de aborto em Dallas variava entre 10 e 20 dias em setembro, de acordo com uma pesquisa do Texas Policy Evaluation Project. O projeto estima que se todas as clínicas que não atingem o padrão de centro cirúrgico fechassem, uma média de 20 dias de espera para uma consulta se traduziria em cerca de 5.700 abortos atrasados do segundo para o terceiro trimestre no Texas.

Amy Hagstrom Miller, dona da Whole Woman’s Health – uma rede de oito instalações em cinco estados – diz que a lei no Texas eliminou completamente a opção do uso da pílula do aborto. “Antes, de 40 à 50% das nossas pacientes no Texas escolhiam uma medicação abortiva. Agora, menos de 2% o fazem,” ela diz. Usar medicamentos abortivos costumava utilizar duas consultas, mas com o aumento das exigências do Estado, isso pode levar até quatro consultas.

Antes da lei, Miller trabalhou com 14 médicos no Texas; depois, somente três conseguiram privilégios admissionais. “Consultas para medicamentos abortivos tornaram-se praticamente impossíveis de ser agendadas,” ela diz. “A lei restringiu o acesso ao método abortivo mais seguro que pode ser feito no início da gravidez,” ela comenta.

O aborto legal continua sendo excepcionalmente seguro, com complicações maiores estimadas em torno de 0,2% nos Estados Unidos. Porém, a única coisa que ativistas de ambos os lados concordam é que o procedimento se torna mais e mais perigoso quanto mais avançada estiver a gravidez. “A maior parte das complicações são pequenas,” diz o Dr. Boyd. “Porém as leis que forçam as mulheres a atrasarem o aborto criam um risco médico desnecessário.” Moral da história: se você se compadece pelas mulheres, fetos ou ambos, tudo piorou.

No dia 2 de março, a Suprema Corte dos Estados Unidos começou a escutar argumentos orais no caso Whole Woman’s Health contra Hellerstedt. Amy Hagstrom Miller é a requerente principal dentre um grupo de clínicas e médicos independentes do Texas que realizam abortos. Eles argumentam que os legisladores foram longe demais com as regras que as clínicas devem atender, como por exemplo os padrões de instalações cirúrgicas e que os médicos que realizam abortos devem ter privilégios na admissão hospitalar. A decisão, que deve sair em junho, pode reafirmar o direito de aborto legal e seguro para as mulheres norte-americanas, estabelecidos no processo de Roe contra Wade. Ou, isso poderia pender para o outro lado.

Ainda que as novas restrições empurrem mais abortos para o segundo trimestre, os legisladores estão fazendo aqueles procedimentos serem menos acessíveis. Um procedimento realizado depois de 20 semanas de gestação, dilatar e extrair (D&X procedure), foi renomeado por oponentes como “partial birth abortion” (aborto do nascimento parcial) e banido em 2003 em uma lei assinada por George W. Bush. Até o momento, 11 estados baniram o aborto depois de 20 semanas de gestação após a concepção – e o Mississipi e a Carolina do Norte baniram ainda antes, depois de cerca de 18 semanas. Para fazer tudo ficar ainda mais confuso, o que muitos legisladores chamam de 20 semanas de gravidez, o seu médico chama, provavelmente, de 22 semanas. Médicos geralmente datam a gravidez a partir do seu último ciclo menstrual, e não pela data da concepção.

Todos com exceção de um dos estados que baniram o aborto após a 18ª ou 20ª semanas mencionaram o fato de que um feto pode sentir dor nessa altura da gestação. Cientistas que estudaram esse assunto e médicos, incluindo o Congresso Americano de Obstetras e Ginecologistas (ACOG), concluíram que o feto provavelmente não sente dor até que conexões funcionais se desenvolvam em seu córtex e tálamo, aproximadamente na 29ª ou 30ª semana de gestação. Ainda assim, candidatos presidenciais, incluindo os senadores Ted Cruz e Marco Rubio, sugeriram que eles apoiariam o banimento nacional do aborto após a 20ª semana – sem exceções nem mesmo para mulheres que foram estupradas ou vítimas de incesto.

Hoje, se você precisa realizar aborto no segundo trimestre, o modo mais seguro e comum é uma cirurgia chamada dilatação e evacuação (D&E procedure). A alternativa à esse método é a indução ao parto, que pode levar vários dias e causar mais complicações.

Atualmente, o D&E está na mira também. Ativistas renomearam o padrão de assistência depois de 13 semanas para “dismemberment abortion” (o procedimento exige que o médico ‘parta’ o feto em pedaços a fim de extraí-lo). Ano passado, Kansas e Oklahoma se tornaram os primeiros estados a banir o D&E. A corte desses estados consideraram as leis como impraticáveis, mas com propostas similares sendo refletidas em estados como Michigan, Missouri, Nebraska, Carolina do Sul e Virgínia Ocidental.

Julie Burkhart, fundadora e presidente executiva da fundação Trust Women e do centro South Wind Woman’s Center em Wichita, Kansas, chama o banimento feito por seu estado do procedimento D&E de um ato intimidação e criminalização médica. Ela diz, “Eu não conheço nenhum estudo feito [tão precoce como na 13ª semana] porque não faz nenhum sentido médico em se fazer um procedimento mais difícil e demorado. As mulheres de Kansas se tornariam cobaias, ratos de laboratório.”

“Por que alguém iria querer esperar tanto?” é a pergunta que sempre perguntam à Halcorson-Boyd. A vasta maioria das mulheres que querem o aborto não esperam. Entre essas que o fazem, as razões incluem anomalias descobertas no meio da gravidez, perigo à saúde da mulher e trauma emocional depois de estupro ou incesto. Mas essas não são as histórias contadas pela maioria das mulheres que ligam para a coligação do Novo México. “As mulheres que nos ligam são virtualmente pobres e vivem, normalmente, uma vida brutalmente complicada,” diz Lamunyon Sanford. Tantas dessas mulheres são mães. Elas amam seus filhos tão ferozmente quanto qualquer outra mãe ou pai, ela diz. Ela acha que, muitas vezes, é o próprio amor que traz essas mulheres à sua porta.

Eu falei com diversas mulheres que viajaram de outros estados para o Novo México e fizeram abortos tardios. Kasey, uma mulher de 28 anos vinda do Texas, disse: “Eu vinha vomitando por um mês, mas eu ainda tinha uma leve menstruação, então não suspeitei de nada. Meu namorado e eu tivemos uma briga enorme. Ele bebia e as agressões se tornaram físicas. Eu liguei para a polícia e ele fugiu. Eu me mudei para a casa de um amigo. Finalmente, nenhuma menstruação. Eu fui à um centro obstétrico porque eu sei que eles fazem os testes de graça. Eles disseram que eu estava com 10 ou 12 semanas. Quando eu fui para uma clínica de verdade no Novo México, eles disseram que eu estava grávida de 21 semanas! Eu surtei. Eu só pude ir de novo ao Novo México para fazer o aborto quando meu cheque de assistência financeira chegou. Eu fui de ônibus.”

Allison, uma mulher de 37 anos de Oklahoma disse: “eu tive relações sexuais no feriado de 4 de julho. Um cara aleatório que eu conheci em uma festa. No outono, eu me senti enjoada, mas nem dei muita bola – eu tinha um problema com bebidas há 20 anos. Depois de um tempo, eu fiz um teste de gravidez e descobri que estava grávida. O momento não poderia ser pior, porque logo depois disso eu fui presa por dirigir embriagada. Eles fizeram um teste de urina no escritório de condicional, mas eu não percebi que eles estavam me testando para gravidez. Quando eu fiquei cara a cara com o juiz, ele disse que eu era um risco para mim mesma e para meu bebê, e até mesmo falou em me prender. Eu liguei para uma clínica em Oklahoma, mas eles tinham fechado. Então eu encontrei esse lugar no Novo México. Eu marquei uma consulta mas a perdi. Eu não tinha dinheiro, sem contar que o alcoolismo fez tudo ficar mais difícil de lidar e de dirigir as 600 milhas até a clínica. Eu ficava pensando em que vida ferrada que o bebê iria levar. Por fim, eu consegui juntar um dinheiro e dirigi a noite toda. Eu acordei no estacionamento da clínica quando uma moça bateu na porta do meu carro e me mostrou um monte de bonecos de feto. Eu mostrei o dedo do meio pra ela.”

Ao saber que eu sou a “Amanda, a repórter” ligando, uma mulher de 43 anos diz “shhh, shhh” para alguém que falava ao fundo. Para mim, ela disse: “não posso falar agora, estou ocupada”. Ela tem sete filhos.

Em que momento acessar um aborto legal se tornou tão difícil, tão caro e tão amedrontador, que as mulheres preferem fazer isso elas mesmas? Cerca de 4,1% das mulheres que procuram por abortos no Texas tentaram terminar a gestação sozinhas, estima uma pesquisa recente da Texas Policy Evoluation Project. Em entrevistas com 18 mulheres que tentaram abortar sozinhas no Texas, mais da metade disse que tomou misoprostol, “a pílula do aborto”. Elas compraram o remédio online ou no México e conseguiram instruções de como usá-lo por amigos ou pelo Google. Uma mulher disse aos entrevistadores que  ela tomou três pilulas homeopáticas por hora por mais de uma semana. Outra disse que ela conseguiu injeções hormonais. No ano passado, uma mulher do Tenessee foi acusada de tentativa de homicídio por tentar terminar sua gestação à moda antiga, colocando um cabide em seu cérvix.

Um daqueles dias do deserto no Sudoeste que são tão quentes que parece que tudo está derretendo. Eu subo marchando as escadas estreitas para o escritório da Colição Religiosa do Novo México para dizer adeus à Lamunyon Sanford. Eu a atualizo sobre suas antigas pacientes, com as quais eu havia conversado. Kasey conseguiu seu próprio lar, um emprego em um escritório de seguros de saúde e está estudando para se tornar assistente social. Allison, por causa de sua prisão, estava com um monitorador no tornozelo e rastreava seu problema com álcool e, há alguns meses atrás, celebrou seu primeiro ano de sobriedade desde a administração de Bill Clinton. Eu não sei como a mãe de sete filhos está se saindo.

Lamunyon Sanford e eu consideramos por um momento a miríade de formas com as quais as pessoas sofrem nesse mundo, o mistério de como elas encontram a graça e a força feroz das mulheres que ligam para a coligação. “Tantas dizem uma coisa exatamente igual”, ela me diz, “eu só quero ser uma boa mãe”.


Seu telefone toca.


Mal informado

Em 23 estados, as chamadas leis de consentimento ditam que os provedores deem às mulheres que procuram o aborto “fatos” sobre os procedimentos que são largamente escritos por legisladores, diz David Brown, advogado do Centro de Direitos Reprodutivos (Center for Reproductive Rights), e que não possuem embasamento médico. Você provavelmente confia sua saúde sexual mais à um médico do que à um burocrata, então nós arranjamos alguns médicos para corrigir alguns erros do guia não tão informativo de 31 páginas do Kansas.

O que diz o guia dos legisladores: 
1- Oito semanas após a fertilização, exceto pelo pequeno tamanho, a aparência e muitas estruturas internas dos  seres humanos em desenvolvimento1 se parecem muito com as de um recém nascido.
2- Na 18ª semana, o bebê ainda não nascido liberará hormônios em resposta a ser cutucado com uma agulha.
Depois de realizar um aborto, algumas mulheres sofrem de uma variedade de efeitos psicológicos, indo de indisposição, irritabilidade e dificuldade de dormir à depressão e até distúrbio de estresse pós-traumático.
3- Se fosse levou uma gravidez até o fim quando jovem, você corre menos risco de sofrer com câncer de mama. Entretanto, o risco não é reduzido se sua gravidez foi interrompida por um aborto.
4 - De 2 à 12 semanas, efeitos colaterais possíveis [de um aborto] incluem a inabilidade de engravidar devido à infecções ou complicações na cirurgia.

O que diz a ciência:
1 – “O guia é feito para tentar fazer com que as pacientes se sintam culpadas”, diz Ronald Yeomans, médico, obstetra e ginecologista e provedor de abortos no Kansas.
2 – “Com oito semanas, o feto não se parece com um recém-nascido. Ele tem menos de 2 centímetros de tamanho”, diz Jennifer Conti, médica, obstetra e ginecologista e membro do planejamento familiar da Universidade de Stanford. Somente entre a 9ª e a 12ª semana que os dedos das mãos e dos pés começam a se formar, e o pescoço e órgãos sexuais externos do feto não se formam até entre a 13ª à 16ª semanas, de acordo com a ACOG.
3 – “Esse é um exemplo dos legisladores tentando alterar pseudo dados para insinuar que os fetos sentem dor”, diz o Dr. Conti. “Mas nós sabemos que mesmo às 20 semanas, os marcos neurológicos não estão solidificados ainda a ponto de sentir dor.” Então de onde os legisladores estão tirando suas informações? Não podemos ter cedrteza. O guia não incluiu notas de rodapé ou crédito de informações para nenhuma fonte segura.
4 –“Não há efeito psicológico negativo ao aborto!, diz Dr. Conti. “ A preocupação deve ser direcionada às mulheres que tem uma gravidez indesejada e são forçadas a continuá-las.” Elas são quatro vezes mais sucetíveis a sofrer com depressão pós parto de acordo com um estudo de 2013 da Universidade da Carolina do Norte. O risco era ainda maior no ano do nascimento do que nos três primeiros meses, o que indica um risco de depressão à longo prazo.
5 – “Mulheres que amamentam podem ter uma incidência um pouco menor de câncer de mama,” diz o Dr. Yeomans, e adiciona que não há embasamento médico ao argumento em relação ao câncer e aborto. Ambos ACOG e Instituto Nacional do Câncer concluíram que não há ligação entre aborto e risco de câncer de mama, uma posição suportada por vários estudos, incluindo um estudo de 2007 realizado em Harvard, que seguiu mais de 100.000 mulheres por 10 anos.
6 –“A incidência de infertilidade em mulheres que realizaram abortos não é maior do que em mulheres que não o fizeram,” afirma o Dr. Yeomans. No que diz respeito às complicações: elas são super raras.