sexta-feira, 10 de junho de 2016

“Esse governo veio para aniquilar as políticas sociais”, diz integrante do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres





Texto e fotos: Paula Guimarães. 

A presidenta do Conselho Estadual dos Direitos das Mulheres (Cedim), Sheila Sabag, alertou para o cenário de “desmonte das estruturas voltadas às políticas para as mulheres”, tanto no governo federal quanto estadual, em plenária realizada nesta semana, na sede da Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho e Renda, em Florianópolis. “Esse governo (Temer) veio para aniquilar o controle social e tudo que se construiu nos últimos anos em termos de políticas sociais”, afirmou ela que também integra o Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres (CNDM).

A conselheira falou ainda sobre as mudanças "profundas" ocorridas na pasta das mulheres no estado. “Antes a Coordenadoria Estadual da Mulher (CEM) respondia diretamente ao governo e agora responde ao secretário. Isso é desmonte, é desmobilização de políticas sociais.”

Em entrevista ao Catarinas, Sheila analisou o momento político e consequências para a participação e o controle social nas políticas para mulheres. 

A pauta das mulheres vem perdendo força no governo federal desde a extinção da SPM, passando pela integração em outro ministério e depois com a extinção desse ministério também. Como você avalia essas mudanças, como elas afetam a luta das mulheres por direitos ou manutenção daqueles já conquistados?
Desde a sua criação em 2003 a SPM vinha trabalhando para criação, implementação e manutenção das politicas para as mulheres no Brasil. Como ministério, tinha interlocução direta com os demais, implantou e monitorava junto com o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM). Quando foi integrada ao Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, perdeu sua autonomia, mas como secretaria especial manteve diretorias fundamentais como a de enfrentamento a violência contra as mulheres. Com a extinção do ministério das mulheres, pelo governo atual, houve um retrocesso de no mínimo 30 anos de lutas dos movimentos de mulheres e feministas. O vínculo da SPM ao Ministério da Justiça e Cidadania, levou consigo a esperança no avanço crescente que estávamos tendo nas políticas para as mulheres, e levou também o CNDM, que pouca força terá para fazer o enfrentamento necessário aos desmandos que com certeza virão. Isso porque será presidido por uma mulher que reponde processos e já se  posicionou contrária ao aborto permitido, inclusive em casos de violência sexual, além de defender o estatuto do nascituro e o bolsa estupro. O CNDM, por lei, é presidio pelo governo. Um dos fatores mais preocupantes foi a criação pelo Ministério da Justiça da Portaria Nº 586, de 1º de junho de 2016 que criou o Núcleo de Proteção à Mulher no âmbito do Ministério da Justiça e Cidadania, que não fará o enfrentamento à violência, pois preconiza a proteção, conforme designação nominal. Percebemos total falta de conhecimento sobre o as políticas de enfrentamento à violência contra a mulher já existente há décadas.

O que a nomeação de Fátima Pelaes que se diz contra o aborto até mesmo em caso de estupro, por questões religiosas, representa para os direitos das mulheres? O que essa nomeação diz sobre o governo Temer?
Mostra exatamente a falta de compromisso com as políticas sociais. Para esse governo as políticas sociais não existem, passaram novamente ao contexto assistencialista e não de direitos. Quanto a Fátima Pelaes, o que se pode dizer a respeito, senão, infelizmente é muito triste perceber que mulheres como ela, julgam e punem outras mulheres em vez de acolhe-las. É inaceitável que uma mulher assuma a SPM dizendo que é contra direitos. Fátima Pelaes não me representa e não é digna para estar a frente da SPM por não reconhecer que mulheres são sujeitas de direitos, e por estar sendo acusada de se beneficiar de fraudes quando esteve no Ministério do Turismo.

Como as conselheiras devem se posicionar diante dessa nomeação e das mudanças propostas pelo novo governo?
As organizações da sociedade civil que compõem o CNDM já se posicionaram através de documentos próprios, são contrárias a esse governo golpista que desmantelou as políticas da mulher, da igualdade racial, e direitos humanos, entre outras. A Articulação de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) já encaminhou documento informando que não apoia esse governo e retirou-se de todos os conselhos em que possuía representação, inclusive no CNDM, outras organizações também já declararam sua saída do CNDM. A maioria permanece resistindo e continuarão pelo menos até o término do julgamento do processo de afastamento da Presidenta Dilma. Se a Presidenta realmente for afastada por esse golpe político, tomarão outras decisões.

O que os movimentos e as mulheres podem esperar daqui pra frente de um governo que se constitui sem a participação de mulheres e outras representações da sociedade em seus ministérios?
Nada. O que se pode esperar de um governo usurpador, desrespeitoso com os direitos humanos, envolvido em corrupção, cujo presidente interino é inelegível por oito anos, que entregou o ministério da justiça ao defensor do Primeiro Comando da Capital (PCC), a maior organização criminosa do Brasil, que comanda rebeliões, assaltos, sequestros, assassinatos e narcotráfico, e a Secretaria de Políticas para as Mulheres -SPM, a uma mulher que é investigada por participação em  esquema de corrupção por desvio de R$ 4 milhões do Ministério do Turismo?

Recentemente, a pasta das mulheres no governo do Estado também sofreu mudanças em sua estrutura, saiu da casa civil para integrar a Secretaria de Assistência Social. O que isso representa na prática, em termos de estrutura e recursos financeiros? Como o conselho avaliou essa mudança?
Muitas perdas, um retrocesso na política estadual da mulher catarinense, já fragilizada. Com a saída da Coordenadoria Estadual da Mulher (CEM), da Secretaria da Casa Civil, e vinculação à Secretaria de Assistência Social Trabalho e Habitação, a Coordenadoria perdeu sua representação política, autonomia e quadro de recursos humanos. Decisão equivocada do governo estadual de Santa Catarina que entende a política da mulher como política assistencialista. Esse é o entendimento de um governo conservador, que não respeita as mulheres, visto que retirou do plano estadual a discussão gênero nas escolas, tão importante para a desconstrução da naturalização da violência contra a mulher, que remete o estado ao quinto lugar do ranking nacional em estupro de mulheres. Uma vergonha para as/os catarinenses.



Composição
O Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) foi criado em 1985, vinculado ao Ministério da Justiça, para promover políticas que visassem eliminar a discriminação contra a mulher e assegurar sua participação nas atividades políticas, econômicas e culturais do país.

De 1985 a 2010, o CNDM teve suas funções e atribuições bastante alteradas. Em 2003, ele passou a integrar a estrutura da SPM e a contar, em sua composição, com representantes da sociedade civil e do governo. Isso ampliou significativamente o processo de controle social sobre as políticas públicas para as mulheres. 

O órgão é constituído por quarenta e uma conselheiras titulares, sendo vinte e uma da sociedade civil, dezesseis governamentais, três especialistas nas questões de gênero e uma conselheira emérita, escolhidas na forma do artigo 3º do Decreto nº. 6.412/08.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Publicação refuta estupro comprovado e culpabiliza vítima


Por Catarinas.


Após duas semanas de intenso noticiário sobre o estupro coletivo sofrido por uma adolescente no Rio de Janeiro, o caso segue repercutindo em veículos midiáticos de todos os portes. No início da semana, o periódico Expresso Catarinense, distribuído na região da Grande Florianópolis, abordou o tema em coluna assinada pelo proprietário do jornal. O texto e o título ("Suposto estupro coletivo de garota carioca vira assunto nacional") provocou indignação entre leitoras.

Na coluna, o empresário, colunista e também jornalista responsável pela publicação mantém a dúvida sobre a tese de estupro que caiu por terra nos primeiros dias após a denúncia do fato, junto com o delegado inicialmente encarregado do caso, Alessandro Thiers. "O estupro aconteceu. A prova foi colocada nas redes sociais e a polícia comprovou a sua existência", observa a professora da UFSC e integrante da Casa da Mulher Catarina, Jane Maria de Souza Philippi.
Jane Maria de Souza Philippi/ Arquivo pessoal 

O texto reproduz o nome completo da adolescente, expondo a vítima à execração pública, ignorando o princípio da proteção integral invocado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Em mais uma clara tentativa de manipular a opinião popular, exibe fotos da vítima portando armas, imagens atribuídas ao perfil pessoal da adolescente em rede social e que circularam pela internet. Não há foto de nenhum dos 33 acusados do crime.

A 4ª Promotoria de Justiça da Comarca de São José garante que a identidade de todo/a menor deve ser resguardada, o que faz com que a maioria dos casos envolvendo crianças e adolescentes tramitem em segredo de justiça, mas esclarece que apenas poderá se manifestar após analisar a denúncia. Catarinas também entrou em contato com o Sindicato dos Jornalistas do Estado de Santa Catarina, que mantém comissão de ética permanente para avaliar eventuais violações ao código de ética da categoria, mas ainda não recebeu resposta.

“Papel da imprensa é esclarecer e não julgar”, diz conselheira do CEDIM/São José
O autor da coluna utiliza argumentos que procuram descredibilizar a vítima. Um deles é o de que a adolescente havia usado drogas antes do estupro coletivo. “O uso de drogas não é desculpa para os crimes cometidos pelos homens e também não deve ser também motivo para culpar as vítimas. Além disso, está sob investigação a possibilidade dela ter sido drogada contra a sua vontade”, alerta Jane Philippi. A professora pretende debater a abordagem feita do periódico ao tema junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de São José (CEDIM), onde é conselheira.

A leitora e integrante da União Brasileira de Mulheres Simone Lolatto observa que o texto insinua que as reiteradas relações sexuais da adolescente com mais de trinta homens teriam sido consentidas, já que a vítima afirmou em depoimento que já praticou sexo grupal consensual. "O sexo grupal é visto como um fetiche comum para os homens, mas as mulheres que assumem praticar ou gostar desta prática são ilegitimadas. É como se uma coisa justificasse e permitisse a outra. Sexo consensual e estupro são coisas bem diferentes", analisa. Para ela, o texto da coluna é carregado de profundo machismo. 

“No Brasil, a cada 15 segundos, uma mulher é vítima de violência; a cada 2 horas uma brasileira é assassinada e dois milhões de mulheres são agredidas anualmente. 65% dos ataques a mulheres são cometidos por seus companheiros ou ex-companheiros e 69% das agressões contra mulheres ocorrem dentro de casa. Esse é o Mapa da Violência no Brasil e a imprensa tem a obrigação de esclarecer e prevenir esta situação brasileira terrível. Não é seu papel julgar antes do inquérito policial e da decisão judicial”, afirma Jane Philippi.

Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica oferece cirurgia gratuita para vítimas de violência doméstica e estupro

Moacyr Lopes Junior/Folhapress

Ação social da SBCP-SC beneficiará mulheres e crianças com sequelas crônicas e será expandida para todo o País

A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica – Regional Santa Catarina (SBCP-SC) lança nesta sexta-feira, dia 10, às 14h, na sua sede em Florianópolis, a ação social “Atendimento em Cirurgia Plástica a Mulheres e Crianças com Sequelas Crônicas Vítimas de Violência Doméstica e Estupro”. A iniciativa é o piloto de um programa desenvolvido pela SBCP Nacional no Distrito Federal e nos 19 estados onde possui seccionais.

O objetivo do projeto é oportunizar cirurgias reparadoras sem custos a essas pessoas, bem como encorajá-las a denunciar situações de maus-tratos dentro de casa e ocorrências de estupro. Para tanto, a SBCP-SC realizará uma triagem entre os inscritos e mapeará o atendimento pelo Estado. “Como é uma ação gratuita, fizemos um chamado por voluntários, e os cirurgiões catarinenses estão respondendo muito bravamente a mais esta solicitação. Estamos recebendo apoio de profissionais de todas as regiões”, comemora o coordenador da ação Zulmar Accioli,

Ainda que o foco principal sejam mulheres e crianças, homens adultos e idosos que tenham sofrido os mesmos tipos de violência e consequência também podem pleitear o procedimento cirúrgico. “Todos em que permaneça uma deformidade crônica possível de ser mitigada pela cirurgia plástica, a exemplo de sequelas por queimaduras, cicatrizes causadas por arma branca e fraturas faciais”, explica o Accioli.

Os interessados devem entrar em contato com Susana de Oliveira pelo telefone (48) 9154-6537 a partir do dia 10 de junho e possuir o boletim de ocorrência (BO) emitido por uma delegacia de polícia. Posteriormente, a SBCP-SC informará aos selecionados datas e locais das operações. Todas as etapas são gratuitas e os pacientes serão atendidos em hospitais públicos e clínicas particulares conveniadas em diferentes regiões do Estado, priorizando as cidades mais próximas de suas residências.

A sede funciona na Rua Deputado Antônio Edu Vieira, n° 1414, no bairro Pantanal. 

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Conselho Nacional de Saúde se manifesta contra a exoneração de sua assessora técnica

Por Carmen Lucia Luiz do Conselho Nacional de Saúde. 

Os desmandos dos golpistas de plantão do governo provisório do presidente interino em exercício chegaram ao Conselho Nacional de Saúde (CNS). Exoneraram a assessora técnica Katia Souto sem, pasmem!, dialogar com a mesa diretora do CNS. Katia, que já foi da equipe do DST-Aids, foi também diretora das Políticas de Equidade do Departamento de Gestão Estratégica e Participativa, entre outras tantas tarefas no MS que cumpriu brava e belamente. Quem trabalhou com Katia sabe que ninguém mais que ela trabalhou para que o SUS universal, integral tivesse também equidade com participação popular!

Exigimos que o Ministro Interino da Saude não realize mais ações intempestivas de ingerência sobre o controle social!


#ExigimosavoltadeKatiaSouto

Transcrevo abaixo a
Manifestação do CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE sobre exoneração de funcionária.

Em defesa do SUS e do Controle Social.

A Mesa Diretora do Conselho Nacional de Saúde manifesta-se sobre a exoneração da assessora técnica da Secretaria do CNS por parte do Ministério da Saúde.

1 - Ao longo das últimas décadas, o Conselho Nacional de Saúde tem se afirmado como a instância do Estado brasileiro responsável pela materialização do preceito constitucional da participação da sociedade no controle social da Saúde.
2 - O CNS é um espaço plural e diverso. Sua autonomia e independência com relação ao Poder Executivo garantem que o CNS seja a expressão máxima da democracia participativa e lhe permitem cumprir a missão de ser o guardião dos princípios norteadores do Sistema Único de Saúde: a Universalidade, Integralidade e Equidade e participação popular;
3 - Em sua trajetória, o CNS se tornou referência nacional e internacional de órgão colegiado. Em 2015, o Conselho reuniu 161 entidades de representação nacional de usuários, trabalhadores, gestores e prestadores de serviço para participar do processo eleitoral que elegeu os atuais conselheiros nacionais. Uma eleição que se deu de maneira republicana e baseado em princípios democráticos.
4 - A independência e a autonomia perante os governos, partidos, corporações e interesses privados são os atributos que efetivamente garantem ao CNS cumprir com suas tarefas. Até hoje, estes requisitos definidores do Conselho Nacional de Saúde foram respeitados por todos os governos do país, desde o processo de redemocratização do Brasil.
5 – Nesta data o Ministério da Saúde rompeu com esta tradição ao exonerar a Assessora Técnica da Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Saúde, uma profissional que há muitos anos participa dos processos de gestão da Saúde, acompanha o processo de controle social e é altamente qualificada para a função que vinha exercendo junto ao Conselho.
6 - Através desta nota, manifestamos nossa contrariedade com a intervenção do Ministério da Saúde na gestão do CNS. Tal iniciativa provoca, entre nós, uma grande preocupação com a manutenção do caráter autônomo e independente do CNS.
Reafirmamos que não aceitaremos nenhuma interferência na gestão do CNS;
Reafirmamos nossa confiança na capacidade de dialogo democrático do CNS entre usuários, trabalhadores, gestores e prestadores;
Reafirmamos nossa convicção de que o Controle Social e um dos pilares do Sistema Único de Saúde – SUS;
Reafirmamos a autonomia e independência desse espaço de dialogo como um direito conquistado pelo povo brasileiro.

Mesa Diretora do Conselho Nacional

Imagem: Karina Zambrana/SGEP/MS


terça-feira, 7 de junho de 2016

A arte de Evelyn Queiroz e a crítica aos modernos padrões de beleza



Por *Sabrina Vieira para Catarinas.

O dramático consumo de produtos estéticos, as tendências voláteis da moda, manchetes em todas as revistas femininas vendendo fórmulas mágicas para estar perfeita no biquíni e conquistar a sonhada barriga negativa, musas fitness, e a catequese midiática diária em programas de televisão, nos vendem felicidade nas entrelinhas do mercado que padroniza a beleza.

Contra tudo isso, uma mulher. Armada apenas com sua arte cheia de senso e análise crítica, Evelyn Queiroz há muito se sentia incomodada com o mercantilismo da aparência e as imprecações desse novo capital. Para questionar de forma leve e até divertida o drama humano da aceitação mediante os padrões construídos pela mídia capitalista (sim, a beleza é um produto cada vez mais bem cotado no mercado), a artista gestou por dois anos, em seu estúdio, a personagem Negahamburguer. Ao ser parida na sociedade hedonista, e repressora deste hedonismo, Negahamburger tornou-se a porta-voz da liberdade de ser. Negahamburger, assim como Evelyn, nos transportam para uma estranha zona de conforto diante do espelho.

Artista e modelo/foto TV Brasil
Crítica ferrenha dos paradigmas escravagistas de beleza, a negra gordinha que ilustra as páginas da revista TPM deste mês, aborda a possibilidade de felicidade real dentro do próprio corpo e fora dos padrões. A principal característica estética dos desenhos de Evelyn Queiroz, nem é as formas corpulentas ou o comportamento guloso (gastronômica e sexualmente) de suas musas, sequer está nas feições angelicais das moças, mas a expressão de conforto enquanto habitantes da própria pele. Atualmente não identificamos esse conforto nem nos corpos ditos ideais, cujas "donas" se submetem cada vez mais assiduamente a tratamentos e rotinas massacrantes, dolorosas e cheias de sofrimento em busca da aceitação, não de si, mas do outro.

Este desrespeito crescente ao que é inato, à identidade dos corpos, tem como única vantagem real o enriquecimento do próspero mercado da beleza/consumo. Sobre isso, ainda para a revista TPM, Evelyn comenta: "todo o julgamento sobre o corpo feminino é falta de amor e respeito com o próximo, então é isso que eu mais quero comunicar." 

É uma lógica de fácil acesso, ao analisarmos a realidade dos padrões de beleza: a quem interessa a mulher aceitar a si mesma? Somente a ela. Mas havendo um padrão dificilmente alcançável, toda a gama de produtos e serviços voltados para o combate à intolerável feiura desde academias, clínicas de intervenção cirúrgica estética, cosméticos que equivalem ao preço da cesta básica de uma família, cápsulas, chás e infinitos produtos mais, que surgem a cada dia nos impondo a aparência que devemos ter, e pior, nos condenando ao julgamento empírico dos demais nos causa mais sofrimento que felicidade. Sofre-se muito mais buscando o padrão que aceitando a sua identidade física, mas quem nos estimula a tentar?

Bombardeados pela informação parcial das mídias, pelas opiniões formadas por elas e, sobretudo, pela necessidade de aprovação e pertencimento, os adolescentes são as mais constantes vítimas dessa realidade, tão verdadeira quanto superficial. Não raro brotam desafios de superação física na internet, meninas que escondem a cintura atrás de uma folha de papel, que equilibram moedas na clavícula, que tentam a volta no tronco com o próprio braço. São inúmeras. Todas produto da insegurança. Todas servindo de pote de ouro no final do arco-íris. A grafitaria de Evelyn Queiroz busca, através de Negahamburguer e outras personagens despadronizadas, um retorno ao real, a autoconsciência e ao respeito às diferenças.

Nas ruas de São Paulo, as gordinhas da artista estampam destapadas muros e paredes, numa tentativa carinhosa de expurgar o preconceito das ruas, de dar representatividade às mulheres "normais", numa luta diária pelo espaço competido com outdoors que propagam uma beleza falaciosa retocada à exaustão no photoshop.

Este trabalho incrível, pertinente e transformador dos ambientes urbanos está agora também em livro, onde depoimentos de mulheres discriminadas podem ser associados aos trabalhos da ilustradora, que pretende uma genuína interpretação e exposição das mulheres, enquanto seres humanos, com suas imperfeições preferíveis à beleza robotizada, estilo linha de produção, que toma conta da sociedade capitalista.

A parceria de Evelyn, Negahamburger e mulheres reais pode também ser conferida em sua página do Facebook (um dos maiores propagadores do artificialismo estético atual) que leva o nome da personagem.

Iniciativas assim são um sopro de esperança em meio ao narcisismo existencial no qual afundamos dia a dia. Esperemos, sinceramente, que a vida imite a arte na mesma proporção que a arte reflete a vida nos trabalhos de Evelyn Queiroz.


*Sabrina Vieira é arte-educadora. 

segunda-feira, 6 de junho de 2016

RBS usa imagens de ato de mulheres em notícia sobre Marcha da Maconha



Pela segunda vez, a RBS TV, afiliada da Rede Globo em Santa Catarina, usou imagens da Marcha das Vadias para ilustrar uma nota no Jornal do Almoço sobre a Marcha da Maconha. A denúncia veio de Angela Medeiros, ativista do movimento das mulheres negras e estudante de Psicologia da UFSC, que aparece no vídeo com o filho de um ano no colo. O vídeo que trazia a nota do colunista Cacau Menezes já havia sido retirado do site por determinação da justiça em novembro de 2013, três meses depois de ir ao ar. Na última quarta-feira (1/6), mais uma vez a “notícia” sobre a Marcha da Maconha, que estava prestes a ocorrer, foi coberta com as mesmas imagens da Marcha das Vadias, realizada em 2011.  

Vídeo aqui



“Enquanto recebia mensagens de amigos, o que eu vivi foi um verdadeiro ‘déjà vu’”, conta Angela sobre a repetição do erro pela mesma rede de TV. Em 2013, ela já havia acionado a RBS na justiça para pedir indenização por danos morais pelo uso indevido de imagem. 



A sentença de primeira instância foi favorável para a autora, mas a ré recorreu da decisão e o processo de número 0003421-25.2013.8.24.0090 segue no Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Angela pede reparação de R$ 30 mil, sendo R$ 20 mil para ela e R$ 10 mil para o filho. 



“Eles (representantes da RBS) alegaram que se eu estava na Marcha das Vadias poderia estar em qualquer outra. Não sou usuária de maconha e nem participaria desta marcha. Como exibir a minha imagem, segurando meu filho bebê no colo, em uma manifestação da qual não participo?”, questiona ela. 

Maiores maconheiros de Florianópolis
O vídeo foi retirado do site por decisão da juíza Morgani de Melo do Juizado Especial Cível e Criminal da Trindade que aceitou o pedido de Angela para que a segunda ré, Globo Comunicação e Participações S/A, retirasse “a matéria jornalística ou editasse de forma a não mais serem utilizadas as imagens sob pena de multa diária de R$ 1 mil”. 

“A autora Ângela, segurando no colo seu filho, também, autor, Pedro, presente na Marcha das Vadias, foi indevidamente utilizada para ilustrar a Marcha da Maconha, com o agravante, ainda, de o comentarista Cacau Menezes afirmar que nessa estariam presentes os maiores maconheiros de Florianópolis, insinuando, portanto, que a autora e o filho seriam usuários dessa droga”, afirma a juíza no documento em que concede a antecipação da tutela.

Nem maconheira, nem simpatizante
Angela em ato "Amanhecer Floripa" 
Ângela diz que se sente desrespeitada como mãe e militante feminista, especialmente porque o vídeo continua no portal. Ela pretende acrescentá-lo ao processo e pedir a retirada novamente. “É um absurdo! A primeira coisa que pensei foi na falta de profissionalismo. Trata-se de um jornalismo totalmente irresponsável, sem nenhuma responsabilidade com as pessoas, com uma mãe. Vou endossar a denúncia no processo”, afirma.

Os pais de Angela assistiam ao jornal nas duas vezes em que o vídeo foi ao ar. “Meu pai que mora em outro estado ficou indignado de eu aparecer numa marcha com o meu filho pequeno. Ele questionou se eu estava aqui para estudar ou fumar maconha. Além de eu não fumar maconha, não sou defensora da causa”, disse ela.

O que diz o Código de Ética dos Jornalistas
O presidente do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina, Aderbal Filho, lembra que a divulgação de informação, precisa e correta, é dever dos meios de comunicação pública, independente da natureza de sua propriedade. E que o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos. O Código de Ética dos Jornalistas diz em seu artigo 7 que trata da conduta do profissional: "o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos e seu trabalho se pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação".

De acordo com o presidente, qualquer cidadã ou cidadão que se julgue prejudicada/o de alguma forma por uma divulgação jornalística incorreta ou uso indevido da imagem tem o direito de buscar a reparação. Ele se diz surpreso pelo não reconhecimento do erro pela rede de TV. “Além de não reconhecer o erro e recorrer da decisão, ainda reincidiu ao reutilizar a imagem de uma manifestação pública com uma determinada finalidade para referir-se a outra, de finalidade distinta. O mínimo que se poderia esperar, já que a RBS sabia que uma pessoa havia se declarado prejudicada, era respeito. Não dá para defender o indefensável”, afirma o representante.

Posição da rede de TV
Romi de Liz da comunicação corporativa da RBS TV afirmou que o vídeo será retirado do site. "O equívoco ocorreu durante o processo de edição. A matéria foi despublicada do site, assim que a produção tomou conhecimento da situação. Pedimos desculpas aos envolvidos", disse em nota enviada por e-mail ao portal Catarinas.


Que feminismo te contempla? Roda de conversa reúne movimentos feministas

Por Clarissa Peixoto

A Marcha das Vadias de Florianópolis reuniu na tarde do último sábado (5) um conjunto de organizações feministas, das mais diversas vertentes e atuações, para uma roda de conversa, na sede do Instituto Arco-íris, no centro da cidade.

Que feminismo te contempla? foi o mote da roda de conversa que teve como objetivo compartilhar vivências e discutir perspectivas de luta feminista em Florianópolis. 

A reunião promoveu também o encontro de um número expressivo de organizações, sejam de controle ou de mobilização social, que puderam expor suas concepções e objetivos ao grande grupo, numa tarde fria de junho, aquecida pelo vigor das ideias e experiências trocadas. Mas, a atividade foi além: reforçou aspectos como a sororidade entre os movimentos na intenção de confrontar as diversas formas de opressão de gênero e sexualidade.

As primeiras colocações para estimular o debate foram feitas pelas integrantes da Marcha das Vadias que apresentaram o desejo do coletivo de organizar a marcha a partir de encontros com os demais movimentos. “As lutas contra as opressões não devem caminhar separadas, principalmente neste momento em que há um quadro de retrocessos e forte ofensiva do campo religioso”, apontou Éris Alice. Na sequência, houve a apresentação de um vídeo sobre a marcha, produzido pelo coletivo de comunicação Maruim.

Na roda de conversa, cada coletivo falou sobre o contexto em que atua e sua relação com a questão de gênero, como foi o caso da Batalha das Mina que reúne mulheres que atuam no rap. De acordo com a integrante do grupo, Marcelle Costa, o movimento surgiu porque nas batalhas tradicionais, “os homens apelavam para as roupas e para a sexualidade das mulheres. Por isso, nasceu a Batalha das Mina, para dar voz as mulheres no rap. Machista na batalha não vai ter espaço”, reforçou.

Hellen Lopes, também da Batalha, aponta que um dos objetivos do coletivo é “denunciar a opressão de gênero no nosso espaço e na rua. As mulheres ainda estão longe de chegar no lugar dos homens que fazem rap, então nos unimos para criar uma batalha para as mulheres e para LGBTs que são reprimidxs no movimento. Somos tratadas como minoria”.

Carla Ayres, do grupo Acontece Arte e Política LGBT, reforçou a fala enquanto mulher lésbica e definiu a compreensão do coletivo sobre o feminismo como “um movimento político, teórico e popular, que reconhece a sociedade como patriarcal e o capitalismo como sistema que promove as desigualdades”.

Outras perspectivas de luta feminista também estiveram presentes. Entre elas, o coletivo Ana Montenegro apontou como saída a superação do capitalismo por uma sociedade socialista. Perspectiva semelhante foi trazida também pelo Mulheres em Luta. Para Gabriela Santetti, representante do movimento, “a luta das mulheres encontra um limite na sociedade de classe, por isso o feminismo tem que estar ligado ao recorte classista”.

Quando o assunto foi a violência de gênero e racial, Cristiane Mare da Silva, da Unegro, apontou as especificidades da luta da mulher negra e os porquês de poucas ocuparem aquele espaço de discussão “Se as mulheres negras não estão aqui é porque não se sentem representadas. Dialogar com as mulheres brancas não é uma tarefa fácil”. Cristiane enfatizou ainda a história de opressão à população negra e como ela reflete diretamente nos dias atuais. 

Entre os demais movimentos presentes estiveram: Agrupa/UDESC; Casa da Mulher Catarinas, Rede Nacional Feminista de Saúde, Maria Bonita/Biologia UFSC, ADEH, Estrela Guia, Conselho Estadual de Direitos da Mulher, Conselho Municipal de Direitos da Mulher/Florianópolis.