terça-feira, 7 de junho de 2016

A arte de Evelyn Queiroz e a crítica aos modernos padrões de beleza



Por *Sabrina Vieira para Catarinas.

O dramático consumo de produtos estéticos, as tendências voláteis da moda, manchetes em todas as revistas femininas vendendo fórmulas mágicas para estar perfeita no biquíni e conquistar a sonhada barriga negativa, musas fitness, e a catequese midiática diária em programas de televisão, nos vendem felicidade nas entrelinhas do mercado que padroniza a beleza.

Contra tudo isso, uma mulher. Armada apenas com sua arte cheia de senso e análise crítica, Evelyn Queiroz há muito se sentia incomodada com o mercantilismo da aparência e as imprecações desse novo capital. Para questionar de forma leve e até divertida o drama humano da aceitação mediante os padrões construídos pela mídia capitalista (sim, a beleza é um produto cada vez mais bem cotado no mercado), a artista gestou por dois anos, em seu estúdio, a personagem Negahamburguer. Ao ser parida na sociedade hedonista, e repressora deste hedonismo, Negahamburger tornou-se a porta-voz da liberdade de ser. Negahamburger, assim como Evelyn, nos transportam para uma estranha zona de conforto diante do espelho.

Artista e modelo/foto TV Brasil
Crítica ferrenha dos paradigmas escravagistas de beleza, a negra gordinha que ilustra as páginas da revista TPM deste mês, aborda a possibilidade de felicidade real dentro do próprio corpo e fora dos padrões. A principal característica estética dos desenhos de Evelyn Queiroz, nem é as formas corpulentas ou o comportamento guloso (gastronômica e sexualmente) de suas musas, sequer está nas feições angelicais das moças, mas a expressão de conforto enquanto habitantes da própria pele. Atualmente não identificamos esse conforto nem nos corpos ditos ideais, cujas "donas" se submetem cada vez mais assiduamente a tratamentos e rotinas massacrantes, dolorosas e cheias de sofrimento em busca da aceitação, não de si, mas do outro.

Este desrespeito crescente ao que é inato, à identidade dos corpos, tem como única vantagem real o enriquecimento do próspero mercado da beleza/consumo. Sobre isso, ainda para a revista TPM, Evelyn comenta: "todo o julgamento sobre o corpo feminino é falta de amor e respeito com o próximo, então é isso que eu mais quero comunicar." 

É uma lógica de fácil acesso, ao analisarmos a realidade dos padrões de beleza: a quem interessa a mulher aceitar a si mesma? Somente a ela. Mas havendo um padrão dificilmente alcançável, toda a gama de produtos e serviços voltados para o combate à intolerável feiura desde academias, clínicas de intervenção cirúrgica estética, cosméticos que equivalem ao preço da cesta básica de uma família, cápsulas, chás e infinitos produtos mais, que surgem a cada dia nos impondo a aparência que devemos ter, e pior, nos condenando ao julgamento empírico dos demais nos causa mais sofrimento que felicidade. Sofre-se muito mais buscando o padrão que aceitando a sua identidade física, mas quem nos estimula a tentar?

Bombardeados pela informação parcial das mídias, pelas opiniões formadas por elas e, sobretudo, pela necessidade de aprovação e pertencimento, os adolescentes são as mais constantes vítimas dessa realidade, tão verdadeira quanto superficial. Não raro brotam desafios de superação física na internet, meninas que escondem a cintura atrás de uma folha de papel, que equilibram moedas na clavícula, que tentam a volta no tronco com o próprio braço. São inúmeras. Todas produto da insegurança. Todas servindo de pote de ouro no final do arco-íris. A grafitaria de Evelyn Queiroz busca, através de Negahamburguer e outras personagens despadronizadas, um retorno ao real, a autoconsciência e ao respeito às diferenças.

Nas ruas de São Paulo, as gordinhas da artista estampam destapadas muros e paredes, numa tentativa carinhosa de expurgar o preconceito das ruas, de dar representatividade às mulheres "normais", numa luta diária pelo espaço competido com outdoors que propagam uma beleza falaciosa retocada à exaustão no photoshop.

Este trabalho incrível, pertinente e transformador dos ambientes urbanos está agora também em livro, onde depoimentos de mulheres discriminadas podem ser associados aos trabalhos da ilustradora, que pretende uma genuína interpretação e exposição das mulheres, enquanto seres humanos, com suas imperfeições preferíveis à beleza robotizada, estilo linha de produção, que toma conta da sociedade capitalista.

A parceria de Evelyn, Negahamburger e mulheres reais pode também ser conferida em sua página do Facebook (um dos maiores propagadores do artificialismo estético atual) que leva o nome da personagem.

Iniciativas assim são um sopro de esperança em meio ao narcisismo existencial no qual afundamos dia a dia. Esperemos, sinceramente, que a vida imite a arte na mesma proporção que a arte reflete a vida nos trabalhos de Evelyn Queiroz.


*Sabrina Vieira é arte-educadora. 

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